Por Fernando Jasper (Gazeta)
O ex-ministro da Previdência, Carlos Lupi, e ao fundo o ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto: em 2023 e 2024, descontos de aposentados e pensionistas se multiplicaram. (Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)
“Lula salvou o INSS”, diz o PT. O argumento é que a atual gestão desbaratou esquema iniciado em governos anteriores. É fato que os descontos nos benefícios existiam há tempos, mas é inegável que foi a partir de 2023 que o negócio ganhou escala industrial.
Os dados que comprovam isso são da Controladoria-Geral da União (CGU), que auxiliou a Polícia Federal na Operação Sem Desconto. Sim: órgãos de Estado tocam a investigação. Mas foi outro órgão federal – o INSS, que deveria zelar pelas aposentadorias e pensões de 34 milhões de brasileiros – quem não viu, não quis ver ou mesmo facilitou os desvios, que alcançaram patamar inédito durante a gestão de nomeados pelo atual presidente da República.
Vale dizer que um expoente do PT e do Planalto andou se queixando do órgão de controle que fez boa parte das revelações. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que a CGU deveria ter apontado falhas de procedimento e feito alertas “a nível de ministro”, e que ela não foi capaz de “impedir o crime”.
As afirmações causam estranheza. Qualquer um que leia os relatórios públicos da CGU fica perplexo com as numerosas falhas que ela apontou ao INSS ainda no ano passado, e com a lentidão deste em reagir e aprimorar os controles. O ministro da Previdência, Carlos Lupi, admitiu publicamente que conhecia o problema, tendo sido alertado por “várias pessoas” desde 2023, mas afirmou que precisava levantar documentos e informações antes de agir. E reconheceu a demora: “O tempo no governo não é o tempo de uma empresa privada”, disse ao jornal O Globo.
Não é mesmo. A rapidez com que organizações privadas trabalharam para receber dinheiro de segurados do INSS impressiona. Houve momento, pouco mais de um ano atrás, em que sindicatos e associações adicionaram a suas bases uma média de 83 novos filiados por minuto. Como se, a cada três segundos, quatro aposentados e pensionistas tivessem decidido abrir mão de parte de seus benefícios – no mais das vezes, não maiores que um salário mínimo.
Segundo tais entidades, esses segurados do INSS haviam se associado e autorizado o repasse de dinheiro a elas. Confiando nisso, o órgão automaticamente passava a descontar valores de aposentadorias e pensões. Investigações, porém, mostram que a grande maioria dos que sofreram abatimentos não conhecia tais organizações nem havia liberado qualquer débito.
Casos de inclusão massiva de descontos em benefícios do INSS se multiplicaram a partir de 2023
Segundo a auditoria da CGU, de 2019 a 2022 era raro uma entidade filiar mais de 50 mil pessoas num único mês. Aconteceu uma vez em cada ano. Em 2023, porém, houve 15 situações de inclusão massiva de supostos associados. No ano seguinte, o número de episódios saltou para 24.
Gráfico preparado pela CGU mostra que episódios de inclusão massiva de descontos nos benefícios do INSS se multiplicaram a partir de 2023.
Das 19 entidades que mais receberam dinheiro de aposentados e pensionistas desde 2016, oito passaram a se beneficiar dos descontos do INSS somente em 2023 ou 2024. E logo estavam faturando dezenas de milhões de reais ao ano. Não por acaso, o valor total descontado de beneficiários da Previdência saltou de R$ 706 milhões em 2022 para R$ 1,3 bilhão em 2023 e R$ 2,8 bilhões em 2024.
Cito a seguir três exemplos do ritmo vertiginoso de crescimento dos descontos. Em apenas um mês, outubro de 2023, uma entidade chamada Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (Aapen, antes Associação Brasileira dos Servidores Públicos – ABSP), fez 163 mil inclusões de descontos no sistema do INSS.
Em março de 2024, a Master Prev Clube de Benefícios* filou mais de 140 mil segurados da Previdência. No mês seguinte, outra organização, a Associação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Abapen), informou ao INSS a filiação de pouco mais de 251 mil pessoas – considerando 20 dias úteis por mês e jornada de 8 horas diárias, isso equivale a 1.569 novos associados por hora, ou 26 por minuto.
No conjunto, março e abril de 2024 foram os meses mais produtivos para as associações: elas informaram ter filiado 1,6 milhão de aposentados apenas nesses dois meses, segundo calculamos com base em tabelas publicadas pela CGU. Foram em média 40 mil registros por dia, 5 mil por hora, 83 por minuto.
O número pode ser maior, pois as tabelas de filiações apresentadas pela Controladoria-Geral da União listam apenas as entidades que em alguma ocasião registraram inclusão massiva de associados.
Chama atenção que, nesses dois meses, o INSS estava sob escrutínio não só de auditoria da CGU, mas também do Tribunal de Contas da União (TCU). Na mesma época, o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, disse ter aberto procedimento interno para investigar seis entidades. Também foi nesse período que o órgão publicou uma instrução normativa segundo a qual as novas autorizações de desconto seriam processadas somente via “termo de adesão com assinatura eletrônica avançada e biometria”.
Conforme mostrou a Gazeta do Povo, a biometria só foi implantada para valer há pouco, em fevereiro de 2025. Antes disso, o INSS adotou o princípio da boa-fé, invocando o “respeito à autonomia constitucional e fé pública de que gozam as associações e sindicatos”. Assim, permitiu que toda a documentação de filiação e autorização de descontos ficasse na mão das próprias entidades, que só precisariam apresentá-la caso o INSS solicitasse. Uma solução definida como “precária” pela CGU.
Com base em uma amostra de 952 pessoas que sofreram descontos, a Controladoria-Geral da União pediu a 29 organizações que enviassem as respectivas comprovações. Apenas quatro mandaram a documentação completa de todos os beneficiários. Oito entidades não enviaram qualquer documento – entre elas, as três citadas mais acima.
Para ouvir seus comentários sobre tudo o que foi apontado pela CGU, procuramos as três pelos canais informados em seus sites: e-mail, WhatsApp, ligação telefônica. Aapen e Abapen não enviaram qualquer resposta até a publicação deste texto. A Master Prev Clube de Benefícios* chegou a informar contato de seu representante jurídico, mas ele não atendeu ao telefone nem respondeu nossas mensagens.
*Não confundir a Master Prev Clube de Benefícios, de Barueri (SP), com outras empresas de nome semelhante. Um exemplo é a Master Prev Ltda, empresa de medicina e odontologia de Belém (PA). Seu sócio-proprietário, Lisio Hermes, diz que sua empresa já recebeu mais de 2 mil processos por engano, devido à semelhança com o nome da entidade conveniada ao INSS. “Estamos vivendo verdadeiro inferno, quase fechando as portas após 30 anos de existência e conduta ilibada”, escreveu ele em mensagem à Gazeta do Povo.
Por Fernando Jasper – Gazeta do Povo
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