Opinião Expressa as ideias do autor e defende sua interpretação dos fatos – Bruno Dallari Oliveira Lima, José Luis Oliveira Lima, Millena Galdiano, Rodrigo Dall’Acqua e Rogério Costa
Surpreendentemente, determinou-se que a acareação não fosse gravada
Bruno Dallari Oliveira Lima, José Luis Oliveira Lima, Millena Galdiano, Rodrigo Dall’Acqua e Rogério Costa
Advogados criminalistas, integram a defesa do general Braga Netto
Na construção de uma narrativa, aquilo que se oculta pode ser mais importante do que aquilo que se mostra. Basta lembrar dos famigerados processos de Moscou, urdidos para condenar inocentes por falsas acusações de conspiração contra o regime soviético.
No modelo de julgamento-espetáculo, as sessões de julgamento eram gravadas, mas os vídeos passavam por uma forte edição antes de irem a público. Mostrava-se somente o que interessava para a acusação.
Se um réu ousava se defender, esse trecho era excluído. O destaque eram as confissões, em que os acusados, após coação ou tortura, confessavam crimes que não cometeram. As imagens eram editadas para esconder contradições e hesitações próprias de quem não falava a verdade, ocultando todas as palavras e expressões corporais que pudessem revelar a farsa.
Os processos de Moscou são episódios extremos de instrumentalização do Judiciário e qualquer comparação seria desproporcional. Mas, após quase um século, permanece atual a necessidade de assegurar transparência, coerência e integridade das imagens processuais.
Braga Netto chega ao STF para acareação com Mauro Cid – Cézar Feitoza – 24.jun.25/Folhapress
O último ato da ação penal no STF sobre a suposta tentativa de golpe foi a acareação entre o general Walter Braga Netto e o delator Mauro Cid, em 24 de junho deste ano.
Um ato de enorme relevância. Cid —sem nenhuma prova— acusa Braga Netto de entregar dinheiro para financiar o imaginado golpe. O general nega veementemente. Na véspera da acareação, vieram à tona diálogos em que o delator admitia que foi coagido pelos policiais federais em seus depoimentos: “queriam colocar palavras na minha boca” e “toda hora queriam jogar para o lado do golpe”.
Acareação é um ato em que a gravação é essencial. Colocam-se frente a frente duas pessoas cujos depoimentos são contraditórios, permitindo que se perceba, por meio de gestos, expressões, frases e reações, quem está mentindo e quem está dizendo a verdade.
Surpreendentemente, determinou-se que a acareação não fosse gravada, fugindo completamente ao padrão estabelecido pelo próprio ministro relator. Todos os testemunhos foram gravados e disponibilizados na íntegra para a imprensa e público em geral. Como se não bastasse, os interrogatórios foram transmitidos ao vivo pela TV Justiça.
Mauro Cid durante julgamento no STF – Gabriela Biló – 10.jun.25/Folhapress
Se todas as audiências foram gravadas e até mesmo exibidas em tempo real, por que não mostrar justamente as imagens da acareação? A justificativa para negar a gravação foi “evitar pressões externas”.
Antes de a acareação começar, após ter sido negada a gravação oficial, a defesa do general Braga Netto também foi impedida de gravar o ato por seus próprios meios. As duas negativas violaram a lei.
O Código de Processo Penal determina a gravação de depoimentos sempre que possível, para maior fidelidade. O Código de Processo Civil, aplicável nesta parte também para ações penais, permite que o advogado grave diretamente a audiência, independentemente de autorização judicial. O prejuízo, portanto, atingiu também o direito de defesa e as prerrogativas profissionais da advocacia.
Como resultado, a acareação não foi gravada e as palavras foram friamente transcritas para o papel. A sociedade, a imprensa e os demais ministros do STF (exceto o ministro Luiz Fux, que se fez presente) jamais poderão avaliar quem falou a verdade e quem apenas confirmou um roteiro acusatório imposto por uso de coação.
A negativa de gravação da acareação é apenas um exemplo de uma série de ilegalidades praticadas nesta ação penal, destacando-se a desnecessária prisão preventiva do general Braga Netto por mais de sete meses, a suspeição do ministro relator (juiz e vítima ao mesmo tempo) e a impossibilidade de acesso ao conjunto de provas.
Um processo penal viciado, conduzido na mais alta corte do país, produzirá efeitos negativos para os réus e contaminará um número indeterminado de outros processos. A ação caminha célere para um desfecho trágico, com graves violações legais e constitucionais. O momento exige vigilância e senso crítico de todos, tanto sobre o que se revela quanto sobre o que se tenta esconder.