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A Morte Anunciada da Liberdade de Expressão nas Redes Sociais – Claúdio Dantas

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Com a decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet, de modo a responsabilizar as redes sociais pelos conteúdos nelas publicados por usuários, que deverão retirá-los do ar logo que houver a mera notificação extrajudicial de alguém, a questão se mostra bem complexa.

Caberá às redes sociais decidirem sobre a veracidade, falsidade, deturpação ou montagem de um artigo, notícia, reportagem, publicação ou mera postagem, sob pena de serem condenadas a pagar normalmente vultosas multas e indenizações a quem se sentir prejudicado.

Muito embora a decisão da Excelsa Corte aparentemente limite a obrigação das redes sociais de não publicarem ou de excluírem assim que notificadas postagens que principalmente constituam diversos crimes graves, a interpretação que se tem dado a vários tipos penais é tão ampla, que muitas condutas poderão ser consideradas delitos contra o estado democrático de direito, racismo, misoginia, perseguição, dentre outros.

É certo que com isso, na dúvida, não permitirão a publicação que possa ser taxada de criminosa, falsa ou inexata, ou a retirarão do ar assim que receberem a notificação, o que ocorrerá às pencas, notadamente em período eleitoral.

Assim, a mídia tradicional nadará de braçada, passando a ser a detentora da verdade e da mentira, secundada pelas redes sociais, que farão uma peneira do que pode ser publicado ou não.

Vimos situação semelhante nas eleições presidenciais passadas e o resultado foi muito criticado pela direita, e com razão no meu modo de ver, que teve muito mais publicações censuradas ou com visualização reduzida (shadowban) do que a esquerda.

Em uma verdadeira democracia não é dado ao Estado ou a qualquer veículo de comunicação de massa impor a sua verdade, restringindo a divulgação de fatos históricos ou mesmo a interpretação sobre eles.

O direito a conhecer fatos ocorridos é de todo cidadão, que pode pensar por si mesmo e interpretar aquele fato de acordo com sua consciência e conhecimento adquirido no decorrer de sua vida.

O motivo é bem simples: a verdade está nos olhos de quem a vê e pode variar para cada intérprete.

Aliás, isso é comum no mundo do direito. Cada ator processual pode interpretar o mesmo fato histórico de maneira totalmente diferente. Pode ser de uma forma para a acusação, de outra para a defesa e o magistrado ainda pode vê-lo de maneira diversa das partes.

Não compete notadamente ao Estado impor sua verdade. Não é lícito ter determinado fato como dogma de modo a não poder ser contrariado. É porque é e ponto. Isso não existe em uma democracia. Cada brasileiro tem o direito de absorver informações e pensar por si próprio.

E a situação se agrava sobremaneira pelo fato de ter sido criada, na Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM), a Secretaria de Políticas Digitais, dividida entre Departamento de Promoção da Liberdade de Expressão e o Departamento de Direitos na Rede e Educação Midiática.

Caberá à Secretaria de Políticas Digitais, dentre outras competências:

I – formular e implementar políticas públicas para promoção da liberdade de expressão, do acesso à informação, da integridade da informação e de enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio na internet, em articulação com o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Advocacia Geral da União” (art. 23, I, do Decreto 11.362/2023). 

Também foi alterada a estrutura da Advocacia Geral da União e criada a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (Decreto 11.328/2023, art. 47, I e II). Compete à Procuradoria:

 I – representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para defesa da integridade da ação pública e da preservação da legitimação dos Poderes e de seus membros para exercício de suas funções constitucionais;

II – representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”.

Foi criado na estrutura da AGU um órgão governamental para fiscalizar atos que configurem desinformação sobre políticas públicas. E a SECOM criou outro com o mesmo propósito, que já monitora as redes sociais e a própria imprensa, municiando a Procuradoria de Defesa da Democracia com as informações sobre as pessoas físicas e jurídicas que, segundo o Governo Federal, noticiem ou publiquem fatos inverídicos ou deturpados que caracterizem desinformação.

Também incumbe à aludida procuradoria pleitear judicialmente visando, dentre outras atribuições, a punição de quem ousar criticar ou proferir palavras mais candentes a algum agente político da esfera federal para a “preservação da legitimação dos Poderes e de seus membros para exercício de suas funções constitucionais”.

Resta saber quem dirá o que é verdadeiro, falso, manipulado ou se houve apenas uma interpretação sobre algo ou alguém de acordo com o entendimento do intérprete, lembrando que a mera notícia falsa não é conduta criminosa.

Ou, ainda, se ocorreu simples crítica ou desabafo sobre a conduta de agente público, que, justamente por exercer determinadas funções, perde parcela de alguns direitos, dentre eles a defesa da intimidade, da imagem e mesmo da honra, que, malgrado não possam ser violados, o limite entre a licitude de uma conduta e a prática de infração penal ou civil deve ser flexibilizado e alargado.

Trata-se de evidente atentado ao direito de livre manifestação do pensamento, posto que, mesmo que de forma travestida de defesa da democracia, cuida-se de órgãos com caráter intimidatório, que deixarão as pessoas ainda mais temerosas de dizerem o que pensam sobre algo ou alguém, o que já se mostra nítido atualmente, o que caracteriza censura dissimulada, conduta expressamente vedada pela Constituição Federal.

Além do mais, não cabe a órgãos comandados por pessoas nomeadas pelo Presidente da República, ou seja, de sua confiança, dizerem o que é falso ou verdadeiro, movendo ações ou tomando outras providências contra quem publique ou noticie fatos que não lhes agradem, que fatalmente serão tidos como falsos e que causam desinformação.

O simples temor de ser investigado ou processado já é suficiente para as pessoas se calarem e, com isso, só haverá uma versão dos fatos, justamente daqueles que detém o poder de dizer o que é verdadeiro ou falso segundo suas conveniências políticas ou pessoais.

É inadmissível em um país democrático qualquer tipo de censura, mesmo que imposta sob o subterfúgio de proteger as pessoas da desinformação. Órgãos criados para bisbilhotar a mídia em geral e o que as pessoas publicam nas redes sociais, são típicos de países totalitários em que o direito de comunicação é restringido ou mesmo suprimido, cujo descumprimento de suas regras pode ensejar processo e até mesmo prisão pelo simples fato de se falar alguma coisa sobre algo ou alguém, direito constitucionalmente consagrado em nossa Carta Constitucional, que tutela a livre manifestação do pensamento.

Não é dado ao Estado impor a sua verdade, intimidando as pessoas com a criação de órgãos que poderão ingressar nas redes sociais de qualquer um, bastando que a conversação seja pública, já que as privadas estão protegidas pelo direito à intimidade.

É temerário e preocupante que órgãos governamentais sejam árbitros do que é verdadeiro ou falso e, com isso, movam ações judiciais e ofereçam representações para a abertura de investigações criminais pelo simples fato de entenderem que alguém, que pode ser pessoa física ou jurídica, profissional ou não, narre fatos ou critique condutas que, segundo esses órgãos, caracterizem desinformação sobre políticas públicas, isto é, sobre a própria atuação do governo, que não é o dono da verdade e nem sempre acerta.

Somente em estados totalitários e despóticos o Estado é o detentor da verdade e da mentira de acordo com sua ideologia e necessidade. Por isso, nesses locais, é o Estado quem filtra as informações e passa à população sua interpretação sobre os fatos de modo a não poderem ser contrariados. Quem o fizer é preso e processado por crime contra a existência do Estado pelo simples fato de pensar e ter sua opinião em desacordo com o imposto pelo poder constituído.

Para que isso não ocorra, nos países democráticos, a censura é vedada e cada cidadão pode criticar o que quiser. O direito à crítica e de expressar sua opinião sobre algo ou alguém é inerente a toda democracia, que só exige que não se ultrapasse limites constitucionalmente bem delineados de modo a ferir direitos de outrem, como a honra, imagem e intimidade, cabendo ao Judiciário analisar o fato em concreto para se chegar à conclusão sobre a ocorrência de ilícito penal, civil ou administrativo, possibilitando, inclusive, o direito de resposta e indenização por dano material e moral sofridos, sem prejuízo, ainda, de ação penal, quando cabível.

Normas previstas no direito objetivo já existem aos montes para se punir aquele que, por meio da manifestação do pensamento, causar dano a outrem, tanto na seara do direito penal, quanto na do civil e administrativo.

Repito, qualquer censura é vedada constitucionalmente, não só no Brasil, mas em todos os países democráticos, inclusive havendo sua vedação em diplomas internacionais como o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.

Não cabe nem ao Estado e nem às redes sociais dizerem o que pode e o que é vedado de ser publicado de modo sumário, mediante mera notificação e, pelo que parece, sem nenhuma chance de defesa de que fez a publicação (em sentido amplo). Isso depende de análise por um órgão imparcial constitucionalmente criado para isso, o Poder Judiciário, por meio de procedimento em que são garantidos a ampla defesa e o contraditório.

Do contrário, a verdade será imposta por quem detém o poder e pode controlar a mídia em geral mediante pagamentos por publicidade oficial, que sequer poderá ser contestada nas redes sociais pelo fato de a publicação muito provavelmente ser tida como criminosa, falsa ou inexata e, com isso, deletada imediatamente, sem chance de defesa, já que elas terão receio de ser punidas com multas astronômicas e até mesmo banimento do país em caso de desobediência.

A punição pelo excesso na liberdade de manifestação do pensamento é posterior, isto é, extrapolou os limites entre o permitido e o proibido, que seja punido, mas sempre de forma posterior e não antes de praticar o ato, o que caracteriza censura prévia.

Por isso mesmo, a lei possibilita o direito de resposta para aquele que se sentir prejudicado por frases, alusões e outras formas de manifestação do pensamento, além de, a depender da hipótese, havendo abuso deste direito, poder ser promovidas ações judiciais para reparação do dano ou mesmo pela prática de infração penal.

Claro que em situações excepcionalíssimas, quando a publicação é por si só criminosa, o que ocorre, v.g, nos casos de pedofilia, é possível em juízo prévio exclui-la ou não a publicar; porém, como dito, não se trata de manifestação do pensamento, mas de conduta evidentemente criminosa praticada por outros meios, que não a palavra.

Regular a mídia ou redes sociais, seja por meio de ato normativo (lei, decreto, portaria etc.) ou mesmo de decisão judicial, o que é muito pior, é medida abusiva, típica de país totalitário, que não encontra guarida na Constituição Federal, que a veda expressamente e reconhece a liberdade de manifestação de pensamento e a vedação da censura como cláusulas pétreas, núcleo intangível da Constituição Federal, que não pode ser alterado nem mesmo por emenda constitucional, nos termos do artigo 60, § 4º, da Magna Carta.

Por outro lado, pode ocorrer também que as redes sociais não aceitem essa ingerência e deixem o Brasil, ficando aberto o espaço para outras não democráticas e que já são controladas por seus países de origem com mão de ferro.

Enfim, não adianta mais reclamar em razão de a flagrante violação à independência e separação dos Poderes da República e da censura que fatalmente advirá. A decisão já foi proferida e compete agora aos parlamentares, eleitos para essa finalidade, caso assim entendam, retomarem sua legitimidade constitucional de legislar, apresentando e aprovando emenda constitucional para que se preserve a livre manifestação do pensamento nas redes sociais e em qualquer outro espaço próprio para divulgação de fatos e debates de ideias.

Do contrário, diante do aparelhamento estatal com órgãos que monitoram as redes sociais e pelo receio das empresas que as administram de serem multadas, o que não interessar ao Estado e às pessoas mais poderosas deste país será sumariamente deletado assim que publicado, ou sequer veiculado, mesmo que se trate de simples comentário, publicação, artigo ou reportagem, que conteste, interprete ou critique fato, decisão, afirmação, órgão ou pessoa física ou jurídica, vez que imperará a verdade estatal e da mídia tradicional por não mais haver espaço popular para contrariá-la e criticá-la.

Via – Claúdio Dantas

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