Impactos sobre o agronegócio são inevitáveis e ultrapassam peso das tarifas de 50%
A turbulência que marca as relações políticas e econômicas entre Brasil e Estados Unidos escalou severamenete nos últimos dois dias, com os movimentos mais intensos desde a carta do presidente americano Donald Trump – com as tarifas ao governo brasileiro tendo sido registrado nesta quinta (17) e sexta-feira (18).
Entre estes dias, o ex-presidente Jair Bolsonaro respondeu Trump sobre uma carta pessoal que ele lhe enviou, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fez um pronunciamento nacional trazendo críticas severas ao chefe de estado norte-americano e hoje Bolsonaro foi alvo de uma operação da Polícia Federal e pasa a usar tornozeleira eletrônica, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), além do cumprimento de outras medidas cautelares.
Bolsonaro é investigado pela PF pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução à Justiça e ataque à soberania nacional, e tal investigação se deu na sequência do presidente dos Estados Unidos anunciar as tarifas sobre os produtos brasileiros em razão, entre outros motivos, pela perseguição política a Jair Bolsonaro. O ex-presidente do Brasil chamou o que está vivendo de “suprema humilhação” e afirmou não ter dúvidas de que será condenado pelo STF.
A decisão de Moraes é uma resposta direta a Trump. “Alexandre de Moraes sempre dobra a aposta quando ele se sente ameaçado e sim, ele está respondendo a Trump. A Casa Branca está acompanhando isso de perto e haverá consequências”, afirma o cientista político do Canal Dextra, o professor Paulo Moura. “E acredito sim que haverá consequências econômicas, com os EUA podendo anunciar novas sanções. Analistas de mercado estão fazendo esta leitura”.
A confusão e a mistura inevitável, e amarga, das cenas política e econômica entre as duas maiores economias das Américas expõe, novamente, a falta de inteligência estratégica do governo brasileiro já desde o anúncio das tarifas. O mercado respondeu rapidamente, diversos setores da economia nacional sentiram em cheio – em ambos os países – e a morosidade com a qual lida com o assunto a equipe de Lula preocupa dos parlamentares em Brasília, aos produtores rurais no Brasil, passando pelos consumidores norte-americanos, hojes os maiores clientes do café, do suco de laranja e dos ovos do Brasil, só para começar a lista.
Em suas redes socias, a senadora Tereza Cristina, lamentou o que chamou de “escalada dos fatos”. “Tenho defendido sempre cautela e maturidade para enfrentarmos os graves problemas do Brasil — inclusive para manter abertas as negociações sobre tarifas que tanto podem prejudicar o nosso povo”, disse.
Um dia antes, criticou o presidente Lula por sua “bravata populista”, pedindo que o governo atue com mais pragmatismo e celeridade para que os “problemas de verdade” possam ser, enfim, resolvidos. “Em vez de criar atrito, poderia começar tentando resolver o tarifaço do Trump, que afeta o povo brasileiro. É preciso agir antes que a gente sofra (ainda mais) com a alta no custo de vida e o desemprego. Menos palanque, mais trabalho”.
E antes da escalada, Tereza Cristina já havia alertado sobre a demora do governo para agir. “Já deveria ter enviado alguém do primeiro escalão, com poder de decisão, para mostrar aos americanos a realidade: este é um jogo onde todos perdem. Dizem que não estão conseguindo contato, mas é preciso insistir. Cada dia de atraso significa mais empresas em risco.Confio na força do povo brasileiro, mas precisamos de ação imediata”.
A análise de Paulo Moura corrobora à da senadora e ex-Ministra da Agricultura, relatando que o Brasil não tem canais de negociação com os Estados Unidos.
“O governo Lula nunca se esforçou para isso e o presidente Trump deixou o Brasil sem embaixador. O embaixador anterior, indicado por Joe Biden, saiu quando houve a troca de presidentes, e Trump não indicou um novo. Há hoje um adido comercial e um adido militar, que não fala português e que foi proibido de manter contato de alto nível no Brasil. Então, não há canais de contato e o que estamos assistindo é a escalada de uma confrontação do Brasil contra os Estados, de Lula e Alexandre de Moraes contra o presidente Trump. E as consequências disso são graves”.
Internamente, Moura acredita que a opinião política esteja ainda mais atenta a forma como todo este quadro se desdobra e quais são os impactos disso para o Brasil, para além da polarização política. “O impacto deste fato é de grande magnitude. O Alexandre de Moraes em conluio com o Lula – é bom lembrar que Moraes liberou o IOF e fechou o pacto com o Lula – estão, ambos, peitando o governo Trump. Lula por questões eleitorais, Alexandre de Moraes por uma questão de sobrevivência. Agora é tudo ou nada. A crise subiu alguns degraus e acredito que vai subir mais”.
Em entrevista ao Bom Dia Agronegócio desta quinta-feira (17), o diretor da Pátria Agronegócios, Matheus Pereira, explicava que o Brasil é o segundo país que mais perdeu capital especulativo nos últimos sete dias, ficando atrás apenas de Taiwan. “É o puro mercado refletindo que não é só uma briga ideológica. O mercado, dono do dinheiro, soberano nisso, vê que o Brasil hoje não é uma fonte segura de investimento”.
Pereira complementa dizendo que os dados não se referem à balança comercial ou fluxo financeiro regular, mas especificamente ao capital especulativo que movimenta mercados. A percepção de risco político está afetando diretamente os investimentos no país, com reflexos inevitáveis no agronegócio.
Neste ambiente, a semana vai terminando com a agenda econômica do Brasil sequestrada pela escalada das tensões políticas com os Estados Unidos, agravada pelo sentimento – principalmente entre os agentes do mercado – de que poderão se intensificar ainda mais. Assim, o dólar sobe mais de 0,7% para novamente se aproximar dos R$ 5,60, enquanto o Ibovespa testava suas mínimas, perdendo mais de 1%.
“O governo Lula avalia a dimensão dos prejuízos e discute possíveis respostas, como quebra de tarifas e patentes e tarifas sobre produtos culturais. O mercado segue sensível à escalada da tensão com discurso duro de Lula ontem à noite, classificando as tarifas como “chantangem inaceitável”. O clima político pesa sobre os ativos brasileiros. O ambiente permanece volátil, à espera de decisões concretas”, explicam os analistas de mercado da Agrinvest Commodities.
“Estas tensões entre Brasil e Estados Unidos elas criam uma dificuldade muito grande do mercado como um todo enxergar o Brasil como um elo forte nas negociações. O mercado entende que, em um embate direto, o Brasil, quando virou protagonista, deixando a China de lado, não temos a mesma expressão comercial do que os chineses. Temos menos poder de barganha do que a China. O mercado entende que essa tentativa de tarifaço, que até agora não foi apaziguada pelo nosso governo, pelo contrário. Os pronunciamentos do nosso executivo são muito superficiais, não há nada de novo sendo falado, ficando só remoendo o passado”, complementa Matheus Pereira.
O diretor da Pátria ainda diz que o atual momento é, desta forma, marcado por mais “artimanhas” para recuperar sua popularidade.
“O mercado enxerga isso com ceticismo. O populista só é benéfico aqueles que o escutam, grandes investidores, especuladores, não vão realocar capital no Brasil por termos um governo populista. E neste momento seria necessário um pouco mais de diplomacia, de sabedoria, de conhecimento econômico, o que deixa a desejar no atual governo”, conclui.
Por: Carla Mendes | Instagram @jornalistacarlamendes
Fonte: Notícias Agrícolas