por Eduardo Lima Porto, diretor Lucro do Agro Consultoria
Entra ano e sai ano, e nessa época começam as Feiras Agrícolas nos principais polos produtivos do País. São eventos tradicionais, que reúnem expositores, fabricantes, instituições financeiras e produtores rurais em busca de oportunidades de negócios.
Mas há algo que se repete com uma precisão quase matemática: todo ano, os organizadores anunciam volumes recordes de negócios, independentemente da realidade do setor.
Não há crise que os afete. Não importa a estiagem, a alta dos custos, a queda nos preços das commodities ou a restrição do crédito – os números das feiras sempre crescem.
Nos meus quase 30 anos de experiência no setor, não me recordo de um único ano em que os números divulgados por essas feiras tenham mostrado retração. É sempre a mesma história, como se estivéssemos diante de um universo paralelo, onde o agronegócio vive em um eterno ciclo de prosperidade.
Essa sequência de números inflacionados e sem lastro pode ter contribuído de alguma forma para a mais recente decisão desastrosa do Governo Federal de cortar o crédito agrícola, pois os dados anunciados sugerem que o setor não precisaria de ajuda.
Casos Chocantes: A Desconexão Total com a Realidade
O caso mais emblemático dessa realidade paralela ocorre no Rio Grande do Sul, onde duas das maiores feiras do Brasil são realizadas: #Expodireto, em Não-Me-Toque, e #Expointer, em Esteio.
Mesmo após anos consecutivos de estiagem, seguidos por uma inundação devastadora que destruiu lavouras e infraestrutura, a Expointer de 2024 anunciou um volume de negócios de R$ 8,1 bilhões, um número superior ao de 2023!
Recentemente, a edição 2025 da Feira #Coopavel seguiu o mesmo roteiro e alardeou o maior volume de negócios de sua história: R$ 7,05 bilhões.
Mas quando olhamos para a realidade do campo, encontramos um cenário completamente oposto.
Segundo a Serasa Experian, os pedidos de RECUPERAÇÃO JUDICIAL de produtores rurais Pessoa Física aumentaram 523% em 2024, um reflexo do endividamento crescente, dos juros elevados e da crise de preços no setor agrícola.
A #ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) registrou uma queda expressiva nas vendas de máquinas e implementos agrícolas em 2024.
E vale lembrar que máquinas e implementos ocupam os principais espaços das feiras e representam a maior parte das intenções de negócios que requerem financiamento e envolvem valores milionários.
A pergunta inevitável é: como o faturamento das feiras pode ter batido recordes, se o segmento responsável pelo maior volume de negócios desses eventos apresentou resultados negativos tão expressivos?
Essa contradição expõe a fragilidade dos números anunciados. Se as vendas de máquinas, que demandam grandes volumes de crédito e financiamento, tiveram forte retração, como justificar a suposta alta geral no faturamento das feiras?
O que fica evidente é que os números divulgados não condizem com a realidade financeira do agronegócio e, no mínimo, deveriam ser questionados com mais rigor.
O Desrespeito com os Profissionais de Vendas
Um dos efeitos colaterais mais graves dessa falsa exuberância de negócios é a desvalorização do trabalho de milhares de Representantes Técnicos de Vendas (#RTVs) e de toda a estrutura comercial que sustenta o agronegócio ao longo do ano.
Ao divulgarem volumes astronômicos de faturamento em poucos dias de evento, os organizadores das feiras acabam sugerindo que os negócios ocorrem ali, de forma instantânea e sem esforço, como se a simples presença em um estande bonito ou uma conversa animada com uma atendente simpática fosse suficiente para concretizar uma compra milionária.
Essa ilusão gera um impacto direto na percepção das empresas, dos investidores e até do próprio mercado sobre a necessidade das equipes de vendas e suporte. Se bilhões são fechados “sozinhos” dentro da feira, para que investir em um grande contingente de RTVs, consultores técnicos e gerentes comerciais?
A realidade, porém, é completamente diferente.
A decisão de compra de insumos agrícolas é um processo técnico e financeiro complexo, que envolve planejamento, análise de custos, logística, financiamento e suporte técnico. Nenhum produtor fecha uma compra milionária de defensivos, fertilizantes ou máquinas no impulso de um evento.
Os RTVs são a espinha dorsal do setor, pois não apenas vendem produtos, mas prestam assistência técnica, acompanham lavouras, fazem ajustes de manejo e ajudam na tomada de decisões financeiras e agronômicas.
Além da venda em si, as equipes comerciais suportam o pós-venda, garantem a entrega dos produtos, gerenciam riscos de inadimplência e até ajudam os produtores a acessar crédito rural, enfrentando a burocracia do financiamento agrícola.
Ignorar esse trabalho e atribuir todo o mérito de bilhões de reais em faturamento a um evento de poucos dias é, no mínimo, um insulto ao esforço diário desses profissionais, que se desdobram para bater metas, lidar com as dificuldades do setor e manter a engrenagem do agronegócio funcionando.
O Desserviço das Feiras Agrícolas ao Setor
É por isso que afirmo: as Feiras Agrícolas têm prestado um grande desserviço ao setor ao divulgar números irreais ou, no mínimo, questionáveis sobre os negócios que supostamente ocorrem durante os eventos.
Esses números, na prática, não são auditados, não têm comprovação fática e não refletem a realidade do setor. Mas a sua divulgação irresponsável altera a percepção pública sobre a real situação do agronegócio, gerando uma série de consequências prejudiciais:
1. Distorção da Realidade – A sociedade e os formuladores de políticas públicas passam a acreditar que o setor vai bem, quando, na verdade, os produtores estão endividados, com dificuldades para obter crédito e enfrentando custos crescentes.
2. Desvalorização das Demandas do Setor – Como exigir do Governo Federal medidas emergenciais para salvar produtores endividados, se os jornais estampam notícias sobre “recordes de negócios” nas feiras?
3. Manipulação da Opinião Pública e de Investidores – As grandes feiras agrícolas disputam entre si quem anuncia o maior volume de negócios, mas, ao fazer isso sem transparência, acabam influenciando de forma equivocada a tomada de decisão de investidores, bancos e empresários do setor.
A Inércia dos Organizadores das Feiras
Diante desse cenário, os Senhores Organizadores das Feiras fariam um grande favor ao agronegócio se simplesmente ficassem calados, ao invés de alimentarem essa fantasia.
Não posso deixar de lembrar a emblemática frase do Rei Juan Carlos da Espanha, que ficou eternizada ao mandar Hugo Chávez “calar a boca”.
Se esses eventos não são parte efetiva da negociação real de compras e vendas, mas apenas um espaço temporário – e caro – de exposição, então seus organizadores deveriam, no mínimo, ser mais responsáveis na divulgação dos números.
E assim, ano após ano, seguimos vendo a ficção dos números das feiras contrastando com a dura realidade do campo.
Até quando?