(VEJA) – Em meados de abril, durante a oficialização da aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski no Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin foi chamado ao gabinete de Lula. O presidente, que já havia dito que pretendia nomear seu amigo e defensor privado para a mais alta corte do país, queria ouvir do próprio advogado o nível de seu interesse em ocupar uma cadeira no colegiado. “O momento de dizer ‘não’ é agora”, disse. Lula não queria correr riscos. Nos mandatos anteriores, havia feito oito indicações ao Supremo e considerava que boa parte delas havia sido um desastre. Ele não havia digerido — e não digeriu até hoje — o fato de parte dos apadrinhados não ter colocado freios na Lava-Jato ou levado à pauta de julgamentos um recurso que poderia adiar sua ida para a cadeia. Zanin agradeceu o presidente e saiu do Palácio do Planalto escolhido para a vaga. Uma decisão cheia de simbolismo.
Quatro anos atrás, em junho de 2019, Lula estava preso, condenado por corrupção, enquadrado na Lei da Ficha Limpa e impedido de disputar eleições. Na mesma época, o juiz que o colocara atrás das grades havia assumido o Ministério da Justiça no governo recém-eleito de Jair Bolsonaro e não escondia a ambição de chegar à Suprema Corte pelas mãos do chefe. Hoje, Lula é o presidente da República, Bolsonaro está na iminência de ser condenado por crime eleitoral, o que o deixará inelegível, e o atual senador pelo Paraná, Sergio Moro, como se sabe, não só não chegou ao Supremo como é apenas uma sombra do que representou no auge das investigações do maior escândalo de corrupção da história. A ascensão de Cristiano Zanin ao STF, confirmada pelo Senado na quarta-feira 21, é a coroação da derrota da Lava-Jato.
Ao patrocinar todas as causas jurídicas que levaram Lula da morte política à conquista do terceiro mandato, Cristiano Zanin se livrou das acusações de inexperiência, driblou intrigas de figurões da advocacia e sobreviveu ao conhecido fogo amigo do PT. Ele já havia enfrentado a desconfiança do próprio cliente ilustre quando, ainda em 2012, começou a advogar para a família do presidente. Na sabatina, contornou a pouca oposição que sofria ao condenar perseguições políticas pela Justiça. Tratado como “engomadinho” pelo próprio Lula nos primórdios da Lava-Jato, Zanin chega a uma Suprema Corte majoritariamente escolhida por governantes eleitos pelo PT, o que gerava — e ainda gera — toda sorte de especulação sobre a sua isenção. A tradição, no entanto, mostra que o senso de responsabilidade costuma se sobrepor à gratidão.
A Lava-Jato, aliás, foi o melhor exemplo disso. Os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia, ambos indicados por Lula ao STF, evitaram pautar uma revisão da regra de prisão após condenação em segunda instância, tema que deixaria o petista longe da cadeia. Luís Roberto Barroso, nomeado por Dilma Rousseff, desqualificou mensagens hackeadas que mostravam abusos e ilegalidades na operação. A ministra Rosa Weber, também escolhida por Dilma, negou um habeas-corpus que permitiria a Lula responder às acusações em liberdade. Edson Fachin, alçado ao STF pela ex-presidente petista, tentou impedir que o tribunal jogasse no lixo decisões e atos processuais ilegais de Sergio Moro contra Lula. Foi o ministro Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique Cardoso e que já foi considerado pelos petistas como um desafeto, que atuou decisivamente na anulação dos processos que reabilitaram o atual presidente.
Ao longo de mais de sete horas de questionamento no Senado, Zanin evitou bolas divididas — não opinou, por exemplo, sobre o controverso inquérito que investiga a propagação de fake news, a descriminalização da posse de entorpecentes para consumo pessoal ou a fixação de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, temas pendentes de julgamento no STF —, mas marcou posição contra abusos em investigações criminais, juízes que atuam de forma parcial e processos com “a etiqueta de Lava-Jato”. Sentado na primeira fila da oitiva estava o destinatário inevitável das estocadas, o senador e ex-juiz Sergio Moro, que teve suas sentenças contra Lula anuladas por ordem do Supremo. “Eu acredito que estou aqui hoje indicado pelo presidente Lula pelo fato de ele ter conhecido meu trabalho jurídico, minha carreira na advocacia e ter a certeza de que eu, uma vez aprovado e nomeado por esta Casa, vou me guiar pela Constituição e pelas leis, sem qualquer tipo de subordinação a quem quer que seja”, disse durante sabatina do Senado.
Cristiano Zanin também saiu pela tangente quando questionado sobre assuntos caros a parlamentares de perfil mais conservador — como a união homoafetiva (“defendo todas as formas e expressões do amor”), aborto (“o direito à vida é uma garantia fundamental”) e drogas (“é um mal que precisa ser combatido”) — e também não avançou em matérias polêmicas, como o julgamento de Jair Bolsonaro na Justiça Eleitoral. Ao final da sabatina no Senado, o advogado, de 47 anos, foi aprovado com folga em Plenário — 58 votos a favor e 18 contra — para um mandato que vai se estender até o ano de 2050.