(O GLOBO) – O depoimento do ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura da Cunha produziu um raro consenso entre parlamentares da oposição e da base aliada do governo Lula.
Os dois lados concordam que o fato de ele ter confirmado na CPI que adulterou um relatório de inteligência enviado ao Congresso, a mando do general Gonçalves Dias, tornou inevitável o indiciamento do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no relatório final da comissão.
Entre integrantes da CPI do 8 de Janeiro ouvidos pela equipe da coluna impera a leitura de que Gonçalves Dias foi abandonado pelo próprio governo Lula e “jogado às feras”, sem que ninguém se mostre disposto a fazer esforço para salvá-lo.
Ainda não há um veredicto sobre qual será a imputação ao ex-ministro de Lula, mas uma das possibilidades em avaliação nos bastidores é a de enquadrar Gonçalves Dias em um dos crimes previstos contra o Estado democrático de direito.
No depoimento à CPI nesta terça-feira (1), Cunha confirmou que, a mando de GDias, retirou de um relatório da Abin sobre o 8 de Janeiro os registros de que o general foi informado por mensagens enviadas para seu celular dos crescentes riscos de tumulto e de invasão de prédios públicos.
Tanto o campo governista quanto a oposição avaliam que o depoimento do ex-diretor-adjunto da Abin tornou ainda mais “grave” a situação de Gonçalves Dias – que acabou demitido do governo Lula assim que vieram à tona imagens do circuito interno do Palácio do Planalto mostrando o general perambulando e interagindo normalmente com os extremistas na hora da invasão.
“As acusações do Saulo Cunha são gravíssimas e mostram que o general agiu de má-fé, dando uma ordem ilegal de remover informações do relatório. Houve sabotagens por todos os lados”, disse um integrante da comissão ouvido sob reserva.
Na reportagem publicada em maio, mostramos que a Abin enviou dois documentos diferentes sobre os mesmos alertas de risco para o 8 de janeiro à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI).
O primeiro, entregue no dia 20 de janeiro e assinado por Moura da Cunha, não trazia os onze alertas que o ministro recebeu no próprio telefone celular entre 6 e 8 de janeiro sobre a movimentação dos golpistas.
Os alertas só apareceram na segunda versão do mesmo documento, enviada pela Abin à mesma comissão em 8 de maio passado – quando Gonçalves Dias já havia deixado a agência, que estava então sob o controle da Casa Civil e com o GSI já sob o comando de outro general, Marco Antonio Amaro dos Santos.
A primeira versão do documento foi enviada ao Congresso por requisição da própria CCAI,. Já a segunda foi entregue por ordem do ministro Alexandre de Moraes, em resposta a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Durante o depoimento, Saulo Cunha deixou claro aos parlamentares que “obedeceu à ordem” de Gonçalves Dias ao manipular as informações do relatório, ainda que tenha refutado o termo “adulteração” para definir sua atuação no episódio:
– Fiz o primeiro (relatório) em uma planilha que continha os alertas encaminhados pela Abin a grupos e continha também os alertas encaminhados por mim pessoalmente, pelo meu telefone, para o ministro-chefe do GSI. Entreguei essa planilha ao ministro, e ele determinou que fosse retirado o nome dele dali porque ele não era o destinatário oficial daquelas mensagens. Que ali fossem mantidas apenas as mensagens encaminhadas para os grupos de WhatsApp. Ele determinou que fosse feito, e eu obedeci a ordem, afirmou.
Coube à senadora governista Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPI, chamar as coisas pelo devido nome e demonstrando que não haverá boia de salvação para o ex-ministro de Lula:
– O senhor está dizendo que adulterou a pedido de GDias. Atendeu a uma ordem absurda dele, atendeu ao pedido de uma ilegalidade. Retirou um dado e não apresentou no relatório apresentado à CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, a CCAI). Há uma responsabilidade compartilhada por ter atendido a uma ordem absurda. Que fique isso claro.