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Entenda como lei antidesmatamento da UE pode afetar o Brasil (DW)

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Uma nova lei para proibir a importação de produtos oriundos de áreas de florestas tropicais desmatadas está prestes a entrar em vigor na União Europeia (UE). A nova regra deve atingir países exportadores das commodities e de seus derivados previstos no projeto, incluindo o Brasil.

Aprovada no Parlamento Europeu em abril e em vias de ter em breve também o aval do Conselho Europeu, a regulamentação veta a exportação para o bloco de cacau, café, soja, óleo de palma, madeira, carne bovina e borracha, assim como de produtos derivados destes, como couro, papel, chocolate e carvão vegetal, cultivados em áreas de floresta que foram desmatadas após dezembro de 2020.

Ao banir todo o tipo de desmatamento, inclusive o considerado legal nos países de origem, a proposta europeia vai além de regulamentos nacionais. Entre 1990 e 2020, o desmatamento para agricultura destruiu 420 milhões de hectares de florestas – uma área maior do que a União Europeia – em todo o mundo. Cerca de 10% deste volume é associado ao consumo europeu. Somente o óleo de palma e a soja são responsáveis por dois terços desta devastação.

“O novo regulamento tem bons aspectos: há mais controle na União Europeia e visa tanto o desmatamento legal, quanto o ilegal. Se quisermos controlar as mudanças climáticas, precisamos de uma mudança de paradigma na produção, e essa mudança precisa acontecer logo, não dá para ir devagar”, destaca o diretor da Área de Engenharia Florestal Global do Instituto Thünen, Sven Günter.

Um estudo de 2019 mostrou que entre 2010 e 2014 a expansão da agricultura e silvicultura em florestas tropicais foi responsável pela emissão de 2,6 gigatoneladas de dióxido de carbono por ano. Somente a pecuária e cultivo de oleaginosas respondem por mais da metade destas emissões que causam o aquecimento global.

“Os países europeus não querem mais produtos associados ao desmatamento. Os produtores destas commodities terão que seguir o regulamento ou serão excluídos do mercado. Assim, cria-se um incentivo para a produção mais sustentável, sem a degradação ambiental”, afirma Beatriz Garcia, jurista especializada em meio ambiente da Universidade Western Sydney.

Sustentabilidade é um caminho sem volta. Quem quer se competitivo nos próximos anos vai ter que entrar em conformidade com o que está acontecendo no mundo”, acrescenta Carlos Rittl, assessor de política internacional da Rainforest Foundation Norway.

Como funciona a nova lei

A nova lei exigirá das empresas importadoras uma declaração de devida diligência provando que suas cadeias de fornecimento não contribuem para a destruição de florestas. Ou seja, as empresas terão de indicar quando e onde as commodities foram produzidas, provando sua rastreabilidade através de dados de geolocalização, que podem ser associados a imagens de satélite.

Além disso, as empresas terão de comprovar que os direitos dos povos indígenas e comunidades locais foram respeitados durante a produção das mercadorias. O não cumprimento das regras pode resultar em multas.

Após a entrada da lei em vigor, as grandes empresas que operam em território europeu terão 18 meses para estabelecer um sistema de rastreabilidade. Esse prazo para as pequenas é de 24 meses. Está prevista ainda uma revisão do regulamento em até no máximo dois anos, que deve, segundo especialistas, abordar a inclusão de outros produtos e a expansão das regras para outros ecossistemas.

“Um grande ponto fraco da lei é a não inclusão de outros ecossistemas. Nós, os Verdes, e todo o Parlamento tentou mudar esse ponto, mas infelizmente não conseguimos impor essa alteração junto ao Conselho Europeu”, afirma a eurodeputada alemã Anna Cavazzini, do Partido Verde. A parlamentar espera que na revisão da legislação outros biomas entrem no projeto e defende a inclusão do Cerrado no regulamento.

No Brasil, a atual mudança deve impactar principalmente a pecuária. “Vai ser exigida por parte dos produtores brasileiros envolvidos na cadeia de exportação e por parte de exportadores brasileiros uma transparência que hoje ainda não existe”, destaca Rittl.

Há ainda algumas questões em aberto: por exemplo, como será feita a classificação de risco de países exportadores, que determinará a quantidade de produtos que serão analisados por amostragem, e os parâmetros que serão adotados para o sistema de rastreabilidade.

Dificuldades para pequenos produtores

Após o prazo de adaptação, os todos os agricultores que exportam para a UE devem preencher as exigências do regulamento, com a adoção de uma vasta documentação sobre a origem dos produtos. Esse processo de adaptação deve pesar no bolso dos produtores, causando um aumento no preço dos produtos que devem serem repassados ao consumidor europeu.

Segundo Rittl, as grandes empresas já têm condições de se adaptarem às mudanças, mas pequenos e médios produtores vão precisar de assistência.

“O agronegócio precisa se dar conta que toda a discussão sobre regulamentação, não apenas na Europa, foi acelerada nestes últimos quatro anos. Boa parte do agronegócio apoiou Bolsonaro e fez lobby junto ao governo para enfraquecer as leis. Agora eles estão pagando o preço por quatro anos em que tudo foi muito fácil, inclusive com a redução de fiscalização”, acrescenta.

Enquanto para os grandes esse processo de adaptação pode ocorrer sem muitos problemas, ele pode, no entanto, acabar excluindo os pequenos agricultores da cadeia de exportação devido aos custos. “É importante que esses custos sejam divididos em toda a cadeia de fornecimento”, destaca Nicole Polsterer, especialista em consumo sustentável da ONG Fern.

De acordo com Günter, a permanência de pequenos produtores na cadeia de exportação dependerá muito dos subsídios, oferecidos principalmente pela União Europeia, para a implantação das mudanças. Aqueles que não conseguirem se adaptar podem passar a vender para outros mercados ou para o mercado interno, contornando assim as regras europeias antidesmatamento.

Conflitos agrários e desmatamento em outros ecossistemas

O novo regulamento tem ainda um potencial de impulsionar conflitos agrários no Brasil. Grandes agricultores, que atualmente produzem para exportação em regiões que serão banidas, podem buscar terras em outras áreas, pressionando assim os pequenos e os empurrando esses para locais desmatados.

“Se esse processo de expulsão ocorrer, não haverá nenhum impacto na redução do desmatamento. Além disso, pode haver um aumento dos conflitos agrários entre pequenos e grandes produtores”, pontua Günter.

Um dos principais pontos de críticas do novo regulamento é a exclusão de outros ecossistemas. Atualmente, a lei engloba apenas florestas tropicais. Com isso, no Brasil, ela pode ainda contribuir para o aumento do desmatamento em outros biomas, como o Cerrado. “Há um risco de a produção ser transferida para outras regiões e impulsionar o desmatamento nesses locais”, acrescenta Günter.

Esse fenômeno pode pressionar ainda mais o Cerrado. Segundo dados recentes do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), a devastação no bioma bateu recorde para os quatro primeiros meses de 2023, registrando o maior desmatamento para o período (2.133 km2 – o equivalente ao dobro da área da cidade de Belém) desde o início da série histórica em 2019.

“A soja principal é o principal vetor de desmatamento do Cerrado brasileiro. O fato de o bioma ter sido excluído é uma falha desta legislação. A União Europeia ainda terá a pegada de consumo associada ao desmatamento do Cerrado no Brasil”, avalia Rittl.

Após sua entrada em vigor, o regulamento deve passar por uma avaliação prevista para ocorrer em até dois anos. Especialistas esperam que neste momento outros biomas sejam incluídos no texto.

“O Cerrado pode ser sacrificado, mas, essa devastação pode ser evitada se os agricultores entenderem que esse bioma também vai entrar no regulamento e que a soja produzida em regiões desmatadas não vai entrar na UE”, afirma Polsterer, ressaltando a importância de um trabalho de conscientização entre agricultores da região.

Pioneirismo importante

Apesar das lacunas, especialistas estão certo de que o regulamento é um passo importante no combate ao desmatamento e às mudanças climáticas. “É um recado da direção para onde caminha a União Europeia e influenciará outros processos, como a discussão do tema nos Estados Unidos”, avalia Rittl.

Para Günter, o sucesso do regulamento depende de uma coordenação com outros grandes mercados, como China e Estados Unidos, para evitar que o desmatamento continue em alta devido à possibilidade de escoar os produtos para esses países.

Na avaliação de Garcia, no futuro, o pioneirismo europeu deve ser seguido por outros mercados, como já ocorreram com outras legislações no passado. “Essa regra deve se tornar uma tendência que será seguida por outros países. Desta maneira, commodities que causam destruição do meio ambiente não devem ser mais aceitas pelo mercado externo”.

“O Brasil quer zerar o desmatamento zero na Amazônia até 2030 e o novo regulamento europeu pode ajudar o país a atingir essa meta”, acrescenta Polsterer.

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