Representantes de entidades ligadas ao jornalismo brasileiro defendem que a liberdade de imprensa deve ser uma garantia da sociedade como direito humano. O Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, comemorado nesta quarta-feira (7), foi instituído para lembrar manifesto de 1977 que exigia o fim da censura promovida pela então ditadura militar.
Para a presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Katia Brembatti, e a vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Regina Pimenta, não haver pressões, censuras ou interdições de qualquer tipo é uma conquista que vai além dos interesses dos profissionais da notícia e que faz a diferença para uma sociedade mais justa.. As duas representantes das entidades brasileiras foram ouvidas pela Agência Brasil.
“É bem importante que as pessoas saibam que liberdade de imprensa não é só uma questão que beneficia a atividade dos jornalistas. Trata-se de um direito humano e fundamental”, explica a professora Katia Brembatti, presidente da Abraji.
Ela acrescenta que quando as pessoas são bem informadas, elas conseguem ter acesso a informações que não teriam em cenário em que não há liberdade. “Não só jornalistas deveriam defender a liberdade de imprensa, mas todas as pessoas. Nosso país já passou por alguns momentos sem liberdade de imprensa. Não é por acaso que toda tentativa de golpe ou de restrição de direitos começa com a tentativa de controle de informação”, diz Katia Brembatti.
Regina Pimenta, da ABI, lembra que um país que tem liberdade de imprensa é aquele que respeita os direitos humanos e seus cidadãos. “Esse ambiente democrático e de respeito às liberdades individuais e aos direitos humanos tem relação com a luta histórica por liberdade”. Ela avalia como fundamental o livre exercício da atividade jornalística para preservar e levar o conhecimento às pessoas sobre tudo que está acontecendo, de modo que a sociedade possa brigar por seus direitos.
Desafios no combate
No último dia 3 de maio, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa , a organização não governamental (ONG) Repórteres sem Fronteiras divulgou que o Brasil subiu 18 lugares no ranking. Estava na 110ª colocação e chegou à 92ª..
A avaliação das entidades é que o resultado teve ligação com a saída de Jair Bolsonaro do governo e que o novo Executivo federal trouxe sinalizações de que pretende combater violência contra os profissionais da informação. Exemplo dessas ações seria a criação do observatório de violência contra comunicadores.
“Vínhamos numa situação de queda no ranking e agora houve uma melhora ainda sutil. Esperamos chegar ao nível de países desenvolvidos em que a imprensa é vista com o devido respeito”, afirma a presidente da Abraji. Mas as entidades chamam a atenção para o fato de que ainda se trata de horizonte distante, já que agressões físicas ainda não cessaram em grandes cidades ou no interior.
São exemplos a violência denunciada pela jornalista Delis Ortiz (TV Globo), durante a Cúpula de Presidentes Sul-Americanos, em Brasília, e violações ocorridas longe dos holofotes das grandes cidades.
Dados do Observatório de Violações da Liberdade de Imprensa na Amazônia, colhidos desde a morte ds ambientalistas Bruno e Dom pela ONG Repórteres Sem Fronteiras, indicam que houve ao menos 62 casos de violações entre julho de 2022 e maio de 2023. Leia mais aqui.
Além das violências físicas, as entidades apontam outro tipo de ‘censura’ frequente. “Há assédio judicial com a finalidade de intimidar os profissionais de imprensa”, diz a presidente da Abraji. Isso ocorre, por exemplo, com processos e recursos para retirar reportagens do ar ou até impedir que materiais sejam produzidos.
Mexeu com duas, mexeu com todas, por Lygia Maria, articulista da Folha)
Ataque a jornalistas mostra como poder público ainda é incapaz de lidar com a liberdade de imprensa
O jornalismo teve uma semana difícil. Agressão e intimidação de profissionais pelo poder público expõem como ainda somos incapazes de lidar com a liberdade de imprensa.
Na terça (30), jornalistas foram agredidos por seguranças do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, quando se preparavam para uma entrevista coletiva no Itamaraty. Na confusão, um agente a serviço do GSI desferiu um soco no peito da jornalista Delis Ortis. Trata-se de um barbarismo autoritário comum na ditadura venezuelana, mas inaceitável em qualquer regime democrático.
No dia seguinte, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, intimidou publicamente a jornalista Malu Gaspar. Em postagem no Twitter, acusou Gaspar de inventar informações e atribuí-las a fontes da empresa. De modo infantil e destemperado, riscou digitalmente, em letras vermelhas garrafais, a palavra “fake” no print da notícia que o desagradou.
Jornalistas trabalham com fontes que, por lei, podem ser mantidas anônimas. Além disso, Gaspar tem trabalho reconhecido e de longa data na cobertura jornalística da Petrobras. Se informações sobre um novo escândalo de corrupção envolvendo a empresa vazarem, profissionais de imprensa deveriam esperar que a direção confirme o crime para poderem noticiar?
Prates demonstrou ignorância sobre a atividade jornalística e o papel primordial que ela exerce na fiscalização do poder público. Ademais, e mais preocupante, escancarou autoritarismo ao intimidar a profissional. Se um órgão público discorda de uma informação, há meios mais elegantes e republicanos para divulgar descontentamento —através das assessorias de imprensa que mantêm contato com jornais, por exemplo.
Curiosamente, duas mulheres. Um dos motes do feminismo é “Mexeu com uma, mexeu com todas”. Na última semana, mexeram com duas. Mas, ao contrário do que aconteceria se estivéssemos sob Jair Bolsonaro (PL), nem todas se afetaram.