Um ‘Pibão’ desconfortável, por Carlos Alberto Sardenberg (em O Globo)
Em qualquer país, o governo, seja de direita ou de esquerda, comemora quando há crescimento do Produto Interno Bruto. Lógico. É tudo de bom — emprego, renda, oportunidades. Pois, nesta semana, o IBGE informou que o PIB brasileiro cresceu 1,9% no primeiro trimestre em relação ao período anterior, resultado expressivo e bem acima das expectativas. Tanto que os analistas elevaram a perspectiva de expansão neste ano para acima dos 2%, o dobro do que se calculava no início de 2023.
O governo e seus aliados não comemoraram. Em alguns setores, notou-se até mesmo um certo desconforto. Há um motivo técnico. O resultado do primeiro trimestre foi puxado pela agropecuária, com uma surpreendente e espantosa expansão de 21,6%, sempre na comparação com o último trimestre do ano passado.
Os demais setores mostraram números modestos (expansão de 0,6% em serviços e estabilidade na indústria). Além disso, o agronegócio flutua bastante no ano, conforme o andamento das safras. Não é possível crescer assim em todos os trimestres. De todo modo, continua sendo bom. O agro brasileiro hoje é alta tecnologia em genética, máquinas, fertilizantes. Puxa crescimento em vários segmentos industriais e de serviços.
Qual o problema?
Simples. O agro está no rol dos adversários da esquerda dominante no governo Lula. Incluindo o presidente.
Um baita equívoco.
O pensamento conservador ou de direita é dominante no pessoal da agropecuária. Tem bolsonaristas e desmatadores. Tem uma bancada ruralista no Congresso que é, na maioria, oposição a Lula. Mas a maior parte da produção brasileira — e bota maior nisso — é correta e sustentável pelos padrões internacionais. Tanto que exporta para o mundo todo.
Um governo, digamos, normal trataria de apoiar esse setor. Politicamente, o correto seria separar líderes políticos da extrema direita de toda uma área da economia que gera benefícios para todo o país. Mas não aqui, não neste governo. E aí dá o “azar” de ver o agro estourando. Difícil comemorar.
Há outro motivo subjacente para o desconforto com o PIB forte: a batalha com o Banco Central. O Comitê de Política Monetária do BC (Copom) tem mantido a taxa básica de juros no nível, elevado, de 13,75% ao ano. Segundo o presidente do BC e do Copom, Roberto Campos Neto, a inflação brasileira mostra-se resiliente por causa, entre outras coisas, de uma demanda geral aquecida. Entram aqui os gastos do governo e o consumo das famílias.
Os ministros Haddad e Simone Tebet têm repetido que não há inflação de demanda e que o governo promove ajuste fiscal. Logo, arrematam, o BC deveria reduzir os juros imediatamente.
E aí vem um Pibão.
Foi o agro — dos inimigos! Vá lá, mas, mesmo retirando da conta esse setor, continua havendo crescimento — e da demanda. Segundo analistas de fora do governo, o nível de emprego é bom para o momento, e os programas de transferência de renda sustentam o consumo de bens e serviços. E tudo isso a três semanas da próxima reunião do Copom. Daí o desconforto.
Uma bobagem. No terreno específico da política econômica, há argumentos para defender uma redução da taxa de juros mais rápida do que o BC tem indicado. No mercado financeiro, muita gente já antecipa essa queda da taxa básica. Nas transações com papéis de vencimento mais longo, o mercado já reduziu os juros — os “juros futuros” — acentuadamente.
Em resumo, o governo tem um aliado de fato em boa parte do mercado. Assim como no agro. Mas o mercado é tão ou mais inimigo que o agro. Essa distorção ideológica aparece em toda parte. Ainda ontem, em evento na Universidade Federal do ABC, Lula disse que a educação é base do desenvolvimento, devendo receber muito investimento público.
Óbvio.
Mas a questão não é essa. É esta: por que o ensino público, sobretudo nos níveis fundamental e médio, falha tão escandalosamente? Mesmo tendo recebido investimentos? Sistema de ensino equivocado? Professores mal remunerados? Não, diz Lula. É porque as elites não querem que os pobres aprendam.
Aí fica difícil.
- Resultado surpreende: Com salto de 21,6% na agropecuária, PIB avança 1,9% no 1º trimestre
- PIB acima do esperado: Haddad diz que crescimento econômico vai ‘bater’ 2% este ano
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Editorial da Folha deste sábado: Salvo pelo Agro
- Com a alta de 21,6% no desempenho da agropecuária no primeiro trimestre, a economia brasileira surpreendeu positivamente —o crescimento do Produto Interno Bruto no período foi de 1,9%, acima das projeções de analistas de mercado, que rondavam 1,2%.
- Devem subir, portanto, as expectativas para o ano. Caso a atividade se mantenha estável, o resultado do primeiro trimestre já proporciona um avanço de 2,4% em 2023.
Favorecida pelo clima e pelo contínuo avanço tecnológico, que impulsiona a produção sem aumento concomitante da área plantada, a safra crescerá cerca de 15% neste ano, segundo estimativas mais recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Com impactos na produção de máquinas e nos serviços associados, a renda agrícola se espalha nas regiões produtoras e favorece segmentos como o de transportes. É esperado, porém, que o ritmo arrefeça, já que a colheita surpreendente traz dificuldades de estocagem e escoamento.
Já o restante da economia mostra pouco vigor e tendência de desaceleração. O consumo subiu apenas 0,2%, e o investimento teve queda de 3,4%, a segunda consecutiva. Com o aperto monetário dos últimos meses, o agravamento da escassez de crédito e menor expansão da renda das famílias, não será surpresa uma piora adiante.
Como contraponto há a ampliação das transferências assistenciais do governo para famílias mais pobres —além da queda do desemprego para o patamar em torno de 8,5%, não muito distante dos menores em anos recentes.
Some-se a isso o legado positivo de reformas aprovadas nos últimos anos, como a trabalhista, concebida para facilitar as contratações com carteira assinada.
A melhora nos modelos de concessões de infraestrutura garantiu razoável número de projetos em andamento, como no saneamento —ora objeto de contestação por forças retrógradas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ademais, deve haver expansão em setores produtivos importantes para a renda nacional, como extração de petróleo e gás.
No geral, o país começou este 2023 em situação razoável, que, entretanto, precisa do amparo de boas políticas públicas.
Reverter reformas importantes, recuar no ajuste dos bancos públicos e empresas estatais e afugentar investimentos com ameaças de descontrole orçamentário seriam ações contraproducentes.
Sinais no sentido correto contribuirão para o aumento da confiança geral e facilitarão o corte dos juros do Banco Central —passo necessário, embora não suficiente, para a retomada do crescimento duradouro da renda nacional.
Lula comete suicídio econômico ao eleger agronegócio como inimigo do Brasil (por JR GUZZO, no ESTADÃO)
- Você se lembra qual foi a última vez em que uma “missão do FMI” veio ao Brasil? A mídia, os economistas e os “agentes econômicos” entravam em transe. Não temos dólar nem para comprar uma caixinha de chicletes no exterior; será que eles vão nos emprestar mais uns trocados? Será que topam fazer mais um “empréstimo ponte”? E o “Clube dos Credores” – o que estará achando? Discutia-se, com paixão, as “mudanças na política econômica” que o Brasil teria de fazer, e quais as instruções que teria de seguir, para satisfazer os comissários do FMI. Falava-se da “soberania nacional”. Eram os tempos da “dívida externa”, da crise cambial e do controle da compra e venda de dólares para viajar ao estrangeiro. Eram as angústias do default – ou, na língua portuguesa, do calote. Eram, em suma, as misérias de um país sem divisas no caixa.
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Nada disso existe mais. O Brasil, hoje, tem mais de US$ 320 bilhões em reservas internacionais. Não precisa do FMI, do Banco Mundial e da caridade financeira mundial. O governo e as empresas podem levantar dinheiro nos mercados voluntários de crédito. Enfim: não se fala mais da “dívida externa”. O que aconteceu para haver essa revolução? Aconteceu o agronegócio. Foi a produção rural que deu ao País os dólares que ele nunca teve; é por causa do agronegócio, simplesmente, que o Brasil deixou de ser um país mendigo. A agricultura, a pecuária e a atividade industrial que está ligada a elas respondem, hoje, por metade de todas as exportações brasileiras. Foram US$ 160 bilhões em 2022, num total de US$ 330 bilhões – e um novo recorde pode ser alcançado neste ano. É o agro que responde pelos atuais US$ 60 bilhões de superávit na balança comercial, fator fundamental para a independência financeira do País. Nada transformou tanto a economia do Brasil quanto a produção do campo – e nada faz o Brasil tão competitivo no mercado externo. Criou-se um país que não existia. Para ficar num exemplo só: Mato Grosso, sozinho, produz mais soja do que a Argentina inteira.
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O governo Lula, porém, declarou que o agro é ruim para o Brasil; na verdade, é o seu principal inimigo no momento. É uma proposta de suicídio econômico – é como se a Arábia Saudita ficasse contra a exploração do petróleo em seu território. Lula e os extremistas de Brasília inventaram a fantasia de que o MST é uma grande força produtiva e que vai “alimentar” o Brasil, com suas abóboras e o seu “arroz orgânico”. O MST não produz nada; não conseguiria alimentar a cidade de Jundiaí. Acham, também, que o País precisa de uma “neoindustrialização”. Continuam fiéis às noções econômicas do tempo dos faraós.
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