(Reuters) – Mercenários russos fortemente armados se retiraram da cidade de Rostov, no sul da Rússia, durante a noite, sob um acordo que encerrou um desafio sem precedentes à autoridade do presidente Vladimir Putin e interrompeu seu rápido avanço em direção a Moscou.
Os combatentes do grupo Wagner regressaram às suas bases em troca de garantias para a sua segurança e seu líder, Yevgeny Prigozhin, irá para Belarus, segundo o acordo mediado pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko.
No entanto, o motim abortado levanta grandes questões sobre o controle de Putin sobre um país que governou com mão de ferro por mais de duas décadas. O ministro das Relações Exteriores da Itália disse que isso acabou com o “mito” da unidade russa.
Putin não fez comentários públicos desde que o acordo foi fechado para aliviar a crise.
A televisão estatal divulgou trechos no domingo de uma entrevista na qual Putin disse que estava dando prioridade máxima ao conflito na Ucrânia e estava em contato constante com o Ministério da Defesa. No entanto, a entrevista parece ter sido gravada antes do motim e ele não fez nenhuma referência aos acontecimentos de sábado.
A televisão estatal também disse que Putin comparecerá a uma reunião do Conselho de Segurança da Rússia na próxima semana, sem dar mais detalhes.
Prigozhin, de 62 anos, foi visto deixando o quartel-general militar distrital em Rostov — centenas de quilômetros ao sul de Moscou — na noite de sábado em um veículo utilitário esportivo. Seu paradeiro no domingo não estava imediatamente claro.
Líderes ocidentais expressaram preocupação com a turbulência na Rússia, que possui o maior arsenal nuclear do mundo. No domingo, o Ministério das Relações Exteriores em Moscou disse que a China — um importante aliado de Putin — expressou apoio à liderança russa.
A China não comentou publicamente sobre o motim. Um diplomata russo sênior esteve em Pequim no domingo para conversas de alto nível.
“Cuidem-se”
Prigozhin, um ex-aliado de Putin cujas forças travaram as batalhas mais sangrentas da guerra de 16 meses na Ucrânia, disse que sua decisão de avançar sobre Moscou visava remover comandantes russos corruptos e incompetentes que ele culpa por prejudicar a guerra.
Depois de capturar Rostov — o principal centro logístico da retaguarda para a invasão da Ucrânia pela Rússia — os mercenários avançaram centenas de quilômetros ao norte no que Prigozhin chamou de “marcha por justiça”, transportando tanques e caminhões blindados e rompendo barricadas montadas para detê-los, antes que o acordo fosse alcançado.
Vídeos compartilhados nas mídias sociais de Rostov durante a noite supostamente mostraram os mercenários se retirando da cidade em um comboio de veículos blindados, tanques e ônibus ao som de aplausos, gritos de “Wagner” e tiros comemorativos dos residentes locais.
A Reuters conseguiu verificar a localização mostrada no vídeo, mas não a data em que foi filmado.
“Cuidem-se”, gritou uma mulher.
A demonstração de apoio à insurreição de curta duração do Wagner irá alarmar as autoridades de um país que se tornou cada vez mais intolerante com qualquer crítica pública a Putin e seu governo.
Moscou estava calma no domingo, com a Praça Vermelha fechada, mas com poucas evidências de aumento da segurança nas ruas. Segunda-feira foi declarada um dia não útil para dar tempo para as coisas se normalizarem.
A capital disse aos moradores para ficarem em casa e mobilizou soldados em preparação para a chegada dos mercenários, que pareciam encontrar pouca resistência das Forças Armadas regulares.
Forças especiais chechenas que foram deslocadas para a região de Rostov para resistir ao avanço dos mercenários também estava se retornando para seus locais de combate na Ucrânia, disse o comandante Apty Alaudinov em um vídeo publicado no Telegram.
Sob o acordo, negociado na noite de sábado, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que um processo criminal aberto contra Prigozhin por motim armado seria arquivado, Prigozhin se mudaria para Belarus e os combatentes do Wagner que se uniram ao movimento não enfrentariam nenhuma ação, em reconhecimento a seu serviço anterior para a Rússia.
Peskov disse que Lukashenko se ofereceu para mediar, com a aprovação de Putin, porque conhecia Prigozhin pessoalmente há cerca de 20 anos.
O porta-voz não quis dizer se foram feitas concessões a Prigozhin, além de garantias de segurança para ele — algo que Peskov disse que Putin deu sua palavra para garantir — e para os homens de Prigozhin, para persuadi-lo a retirar todas as suas forças.
O ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, disse em entrevista ao jornal italiano Il Messaggero publicada no domingo que Putin criou as condições para a insurreição de sábado ao permitir que Prigozhin formasse um formidável exército privado por muitos anos.
“O mito da unidade da Rússia de Putin acabou. Essa escalada interna divide a organização militar russa. É o resultado inevitável quando você apoia e financia uma legião de mercenários”, disse Tarjani.
“Uma coisa é certa: a frente russa está mais fraca do que ontem. Espero que a paz esteja agora mais próxima. Esperamos para ver os próximos movimentos da Rússia na Ucrânia.”
A revolta ocorreu apenas algumas semanas após o início da mais forte campanha de contraofensiva da Ucrânia desde a invasão de Moscou em fevereiro do ano passado.