(Reuters) – O Ibama negou na quarta-feira pedido da Petrobras para exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, uma negativa que explicita o embate, dentro e fora do governo, entre os que apontam o potencial petrolífero da zona e os que frisam o risco ambiental e para populações locais de uma eventual exploração.
Abaixo, o potencial petrolífero da zona, na visão do Ministério de Minas e Energia e de uma consultoria privada, confrontada com a visão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério do Meio Ambiente sobre os riscos da exploração.
A MARGEM EQUATORIAL
A Petrobras pretendia perfurar um poço localizado a 175 km da costa do Amapá, no norte do país, e a mais de 500 km de distância da foz do rio Amazonas.
A região integra a chamada nova fronteira exploratória de petróleo do Brasil conhecida como Margem Equatorial, em uma faixa que se estende do litoral do Rio Grande do Norte ao Oiapoque, no Amapá.
A empresa chegou a realizar, em um passado mais distante, dezenas de poços na Bacia da Foz do Rio Amazonas, sem descobertas comerciais. Mas achados mais recentes em países vizinhos com geologia semelhante reativaram o interesse na região, só que em locações mais profundas.
RISCO AMBIENTAL
Em sua decisão contra o projeto da Petrobras, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, seguiu parecer técnico do final de abril que recomendava o indeferimento. O parecer apontava inconsistências no estudo ambiental que subsidia a avaliação da atividade de perfuração no bloco FZA-M-59, dentre elas, a não revisão de um item que trata de identificação e avaliação dos impactos ambientais.
Segundo Agostinho, com os estudos técnicos apresentados, o órgão não se sentia “nem um pouco confortável” em conceder a licença ambiental para exploração de petróleo na região.
DIVISÃO NO GOVERNO
Desde o leilão das áreas, em 2013, até agora, o debate ambiental e da urgência da transição energética ganhou outro peso dentro e fora do Brasil, obrigando o país a tomar decisões estratégicas no tema.
Eleito com uma bandeira verde, mas também defendendo retomada de investimentos da Petrobras, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriga divisões sobre o tema: há uma ala liderada pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, versus um grupo pró-exploração, que inclui: Alexandre Silveira (ministro das Minas e Energia), Jean Paul Prates (CEO da Petrobras) e até o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues, que resolveu romper com sua aliada história Marina e deixar a Rede, por causa da decisão. Randolfe é do Amapá e defende a perfuração.
POTENCIAL PETROLÍFERO
A Margem Equatorial tem potenciais semelhantes aos da Guiana e o Suriname, onde quase uma centena de poços de petróleo já foram perfurados, com descobertas de 13 bilhões de barris..
O Ministério das Minas e Energia compara a Margem Equatorial com o pré-sal, principal área de produção do país, citando estimativas de reservas potenciais de 10 bilhões de barris. Tanto a pasta como a Petrobras argumentam que, além permitir no futuro um aumento da produção de petróleo, a exploração pode gerar investimentos estimados em 200 bilhões de dólares, além de aumento na arrecadação de impostos, caso prospere.
ESTIMATIVA PRIVADA
Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a Margem Equatorial brasileira tem potencial para agregar 1,106 milhão de barris por dia (bpd) na curva de produção nacional a partir de 2029. O volume elevaria o pico de produção de petróleo do Brasil previsto para 2032 pelo CBIE de 5,824 milhões de bpd para 6,930 milhões de bpd. A previsão de produção considera o avanço exploratório nas áreas já contratadas na região, reservas estimadas de 30 bilhões de barris e um fator de recuperação de 25%.
QUEM TEM BLOCOS LÁ
Empresas que venceram blocos exploratórios na Margem Equatorial em leilão realizado em 2013, como Petrobras, BP e TotalEnergies, enfrentaram dificuldades nos últimos anos para obter licenças ambientais para perfuração. A última perfuração de poço exploratório na região ocorreu em 2015.
Ibama condiciona exploração da Foz do Amazonas a novos estudos que devem demorar; Petrobras desmobiliza operações
BRASÍLIA (Reuters) – A decisão do Ibama de negar a licença para exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas praticamente enterra as possibilidades da Petrobras de perfurações na região, mesmo para testes, a menos que um estudo mais amplo que pode demorar anos mude as avaliações no futuro, segundo fontes com conhecimento do assunto.
A negativa explicita um embate, dentro e fora do governo, entre os que frisam os riscos ambientais e populacionais de uma eventual exploração petrolífera e os que apontam potenciais e imprescindíveis reservas de petróleo na região, enquanto o país busca uma transição energética e um papel protagônico no mundo no debate da emergência climática.
A decisão tomada na quarta-feira pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, acompanhou o parecer técnico do órgão, que rejeitou o pedido de licença da Petrobras para prospecção na região, que integra a chamada Margem Equatorial brasileira, com potenciais reservas do litoral do Rio Grande do Norte ao Amapá, mas situadas em áreas ambientalmente sensíveis.
O único recurso que a Petrobras pode apresentar no momento é para o próprio Agostinho. Com isso, segundo disseram à Reuters fontes da área ambiental, obviamente haveria pouca chance de sucesso para a empresa.
Uma mudança na posição do órgão teria que passar por uma guinada política drástica envolvendo troca na direção do órgão e certamente levaria a impactos políticos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia não estar disposto a pagar, como um pedido de demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Com reputação na área, ela é hoje o principal trunfo de Lula no discurso ambiental do Brasil para o exterior.
A Petrobras afirmou em comunicado nesta quinta-feira que “continuará buscando essa licença e exercerá seu direito de pedir reconsideração em âmbito administrativo”, após o Ibama ter apontado dados insuficientes e incorretos no primeiro pedido, como o tempo de resposta no caso de derramamento de óleo e outras questões.
A empresa disse ainda entender que “atendeu rigorosamente todos os requisitos do processo de licenciamento”.
Já o Ministério de Minas e Energia afirmou em nota que recebeu a decisão do Ibama “com naturalidade e o devido respeito institucional”, e que já “havia solicitado à Petrobras aprofundamento dos estudos para sanar maiores dúvidas quanto à viabilidade da prospecção da Margem Equatorial de maneira ambientalmente segura”.
NOVOS ESTUDOS
Mesmo com o recurso da Petrobras, o entendimento é que uma nova decisão não será tomada antes que o governo tenha um estudo amplo sobre os impactos de exploração petrolífera em toda a área da Foz do Amazonas.
O despacho do Ibama amarra uma futura decisão sobre qualquer exploração na região à realização de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), um estudo que abrange toda a região de possível exploração a ser tocado pelos Ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia, que mede os impactos socioambientais.
Apesar de não ser uma exigência para o licenciamento ambiental em si, está previsto em uma portaria de 2012 para áreas consideradas sensíveis, e o Ibama pode considerá-lo necessário para áreas mais sensíveis.
Em seu despacho, Agostinho corrobora o entendimento da área técnica sobre a necessidade de retomar os AAAS para essa e outras áreas para embasar as decisões.
De acordo com uma fonte do Ministério do Meio Ambiente, sem o estudo, que o ministério deve começar, não serão tomadas novas decisões sobre exploração de possíveis poços na margem equatorial.
A Petrobras estava mobilizada desde o ano passado para realizar um simulado de emergência na Foz do Amazonas, o que considerava o último passo para obter a licença de perfuração.
A exploração da Margem Equatorial é uma das apostas da empresa para ampliar a produção de petróleo do país, uma vez que as grandes reservas do pré-sal devem declinar no futuro.
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou anteriormente que a Margem Equatorial é uma “nova fronteira”. Pelo plano de negócios da estatal, há quase 3 bilhões de dólares em investimentos na zona previstos até 2027.
Para um ex-diretor da Petrobras, a negativa do Ibama é uma “grande irresponsabilidade”. Ele disse que os blocos na Foz do Amazonas foram ofertados em leilão do governo 2013, e seria responsabilidade do Ministério de Meio Ambiente realizar o estudo AAAS.
“O contrato de concessão reza prazo definido para a execução da fase de exploração, que se não realizada leva à perda do bloco e extinção do contrato”, disse.
A fonte, que falou na condição de anonimato, citou que a empresa tem parecer do próprio Ibama apontando que a AAAS não é pré-requisito para a emissão de licenças de perfuração.
Em documento apresentado pela Petrobras em reunião com o instituto em março, e visto pela Reuters, há a informação de que o Ibama reconheceu “que não há instrumentos jurídicos para justificar a recomendação de não emissão de licenças ambientais de perfuração exploratória até que seja realizada uma avaliação ambiental estratégica como a AAAS” — não estava imediatamente claro de quando seria essa avaliação do Ibama.
A Petrobras havia sugerido que a AAAS fosse considerada para a fase de produção, quando a indústria se instala e opera na região, com os prazos estabelecidos no contrato de concessão de 30 anos. Neste momento, já haveria certeza sobre o potencial de desenvolvimento da área, segundo o documento.
Apenas duas AAAS foram feitas no Brasil até hoje, uma na Bacia de Sergipe e outra na de Solimões, segundo o professor Luis Enrique Sánchez, escola politécnica da USP, que atua na área de gestão ambiental.
Ele explicou que tal avaliação tem várias etapas até a aprovação pelos ministérios, o que deve levar mais de um ano.
Em meio à expectativa da demora na liberação da área, a Petrobras afirmou que a sonda e os demais recursos mobilizados na região do Bloco da Foz do Amazonas serão direcionados nos próximos dias para atividades da companhia nas Bacias da região Sudeste.
SEM SAÍDA LEGAL
Legalmente, não há nada que a empresa possa fazer, de acordo com fontes ouvidas pela Reuters e especialistas. Uma ação judicial não reverteria o caso porque não existe direito à licença ambiental. Conceder ou não é uma atribuição legal do Ibama.
“A decisão está tomada. Podem haver reações, mas o que a Petrobras pode fazer é um recurso ao próprio Ibama, que vai ser decidido pelo presidente, mas a decisão é final”, disse a ex-presidente do Ibama, Suely Araujo.
Segundo ela, “ninguém vai à Justiça por licença ambiental porque não é um direito adquirido, é uma análise técnica”.
“Nenhum escritório de advocacia vai fazer isso. Não é porque a empresa adquiriu os lotes que ela tem direito à licença para exploração”, completou.
Nos leilões de blocos exploratórios no Brasil, as empresas adquirem áreas sem garantia de que terão as licenças ambientais para explorá-las de fato. Há um debate se o governo não deveria sozinho desenvolver estudos, verificar as vulnerabilidades ambientais antes dos leilões, mas nenhuma mudança caminhou neste sentido.