Duas estruturas com rejeitos de urânio receberam classificação de emergência pela Agência Nacional de Mineração devido a falhas estruturais e danos ambientais
(Estado de Minas) – Umidade aflorando nas estruturas de retenção de rejeitos de mineração de material radioativo e de sedimentos, falhas nas proteções de taludes e o mais alto dano ambiental possível. Esses são riscos que assombram a comunidade de Caldas, no Sul de Minas, principalmente pelo rejeito de urânio ser considerado do tipo mais perigoso para a saúde humana e o meio ambiente, e levaram a Agência Nacional de Mineração (ANM) a considerar, desde o início de junho, as duas barragens da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) com o nível 1 de emergência do Plano de Segurança de Barragens.
A reportagem do Estado de Minas teve acesso aos relatórios da ANM. Pela descrição da agência, o nível 1 é a situação em que uma barragem se encontra “em situação de risco alta” ou apresenta problemas graves em seu estado de conservação – mínimo de seis pontos em 10 nesse quesito. A INB considera que a estrutura esteja estável e que não há riscos de rompimento, mas o Ministério Público (MP) de Minas Gerais investiga a situação.
Um dos reservatórios problemáticos é a chamada simplesmente “Barragem de Rejeitos”, um barramento de 42 metros de altura construído de uma única vez e nunca ampliado, com 435 metros de comprimento e 72 mil metros quadrados de reservatório, onde repousam 2,5 milhões de metros cúbicos (um quarto do que vazou após o rompimento de Brumadinho, em 2019) de rejeitos da mineração de urânio que abastece as usinas nucleares brasileiras. Os resíduos são classificados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) como sendo “resíduos sólidos perigosos” por terem características que podem ser de “corrosividade, reatividade e toxicidade”.
Impacto ambiental
De acordo com o relatório de fiscalização da ANM, de 5 de junho deste ano, o reservatório apresentava “umidade ou surgência (infiltrações) nas áreas de jusante (a parte da barragem que fica no sentido de saída do material acumulado, ou seja, na barragem), ainda que com paramentos, taludes e ombreiras estáveis e monitorados”, tendo também “falhas na proteção dos taludes e paramentos, presença de vegetação arbustiva” e “drenagem superficial inexistente”.
Abaixo desse barramento, a população e a circulação de população foi considerada pouco frequente, pois não existem pessoas ocupando permanentemente a área afetada abaixo da barragem, mas existe estrada vicinal de uso local, segundo a ANM.
Já o impacto ambiental possível pode ser catastrófico, o pior das categorias da ANM, tido como “muito significativo agravado” justamente por se tratar de rejeitos perigosos. As repercussões diretas sócio-econômicas são tidas como baixas, uma vez que existem pequenas concentrações de instalações residenciais, agrícolas, industriais ou de infraestrutura de relevância sócio-econômico-cultural na área afetada a partir da barragem.
Já a segunda barragem é a chamada D4, uma bacia de contenção para decantar sedimentos resultantes das atividades da INB e não rejeitos. Esse barramento tem sete metros de altura e 272 metros de comprimento, com um reservatório de 99 mil metros quadrados, comportando 350 mil metros cúbicos de sedimentos. Ainda que menor, a inspeção de 12 de junho da ANM também destacou problemas nesse barramento.
Falhas e trincas
O sistema de drenagem está “em desacordo com projeto ou inexistente ou desconhecida ou estudo não confiável ou inoperante”, além disso “não houve controle tecnológico e/ou não há informação e/ou compactação em desacordo com projeto”. Quando os fiscais estiveram na planta, encontraram problemas estruturais, mas também reparos em andamento, segundo o relatório da ANM. “(Há) Estruturas com problemas identificados e medidas corretivas em implantação. Umidade ou surgência nas áreas de jusante, paramentos, taludes ou ombreiras sem implantação das medidas corretivas necessárias. Falhas na proteção dos taludes e paramentos, presença de vegetação arbustiva. Existência de trincas e/ou assoreamento e/ou abatimentos com medidas corretivas em implantação.”
Mais uma vez, o dano ambiental é considerado “muito significativo agravado” por se tratar de “barragem que armazena rejeitos ou resíduos sólidos classificados na Classe I – Perigosos segundo a NBR 10004/2004”. Abaixo da estrutura, o dano humano pode ser considerado baixo, uma vez que “existe pequena concentração de instalações residenciais, agrícolas, industriais ou de infraestrutura de relevância sócio-econômico-cultural na área afetada a jusante da barragem”.
Empresa diz que não há risco
Em nota pública, a INB, que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia e exerce, em nome da União, o monopólio da produção e comercialização de materiais nucleares, afasta qualquer risco nas estruturas em estado de emergência.
“A ANM passou a regular e fiscalizar as estruturas de mineração das unidades da Indústrias Nucleares do Brasil. Desta forma, incluiu a Barragem de Rejeitos e a Barragem D4 da Unidade em Descomissionamento de Caldas – UDC, que ficaram enquadradas no nível 1 de emergência, o menor na escala de três níveis”.
A empresa pública destaca que a D4 foi construída como bacia de decantação, mas que devido à mudança nos regulamentos dos órgãos fiscalizadores, foi reclassificada como uma barragem. “A INB reforça que não houve nenhuma ocorrência nessas barragens, apenas a mudança quanto ao órgão fiscalizador e as adequações a essas classificações e documentações. A empresa destaca que as barragens são permanentemente monitoradas. A INB reforça a integral determinação no atendimento aos requisitos estabelecidos pela ANM e às recomendações de consultores geotécnicos contratados pela empresa”, informa.
A INB afirma também “reconhecer o empenho e as orientações firmes e profissionais da Comissão Nacional de Energia Nuclear, a qual regulou e fiscalizou as estruturas até essa data. Também aproveitamos para tranquilizar a população de que não há nenhum risco iminente quanto à segurança”, destaca a estatal.