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Só ‘tecnologia tropical’ é agroecológica e replicável, disse ex-Ministro Roberto Rodrigues

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Professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ex-Ministro da Agricultura e ex-Presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Roberto Rodrigues detalha como a produção brasileira de grãos quintuplicou em pouco mais de três décadas enquanto a área cresceu duas vezes. A tecnologia, com arranque do setor ocorrendo especialmente na fase seguinte à estabilização da economia, em meados dos anos 1990, e o cooperativismo cumpriram papel preponderante no processo.
Na sua visão, a “tecnologia tropical sustentável”, desenvolvida no Brasil, pode trazer a solução para combater o que ele considera como os “quatro novos cavaleiros do apocalipse”: segurança alimentar, segurança energética, mudanças climáticas e desigualdade social. Segundo ele, é no cinturão tropical do planeta, América Latina, África subsaariana e parte da Ásia, que se dará o combate em torno dos “cavaleiros”. Mas é o Brasil, afirma, que deve liderar a transformação por deter o que chama de tecnologia da “agricultura tropical sustentável”, capaz de ser replicada em outros países.

Valor: Quais fatores explicam o avanço mais recente do agronegócio?
Roberto Rodrigues: O que provocou o grande arranque do agronegócio foi a tecnologia, indiscutivelmente. Ela estava disponível há muito tempo, mas não era aplicada porque as condições econômicas do país não estimulavam sua aplicação. Até os anos 1990, um produtor eficiente no Brasil, que tinha boa gestão, obtinha mais da metade da renda do overnight. Em 1990, o Plano Collor deu a primeira chacoalhada nesse negócio, com erros importantes na formação da política, mas criou na cabeça do empresário rural a ideia de uma economia estabilizada. Quatro anos depois, em 1994, veio o Plano Real e a partir daquele ano, com a economia estabilizada, o produtor rural foi obrigado a ser competitivo, a ser eficiente. Então, sim, buscou a tecnologia.
Valor: Qual foi o comportamento do setor a partir dali?
Rodrigues: Os números são impressionantes. Desde 1990, a área plantada com grãos cresceu 104% e a produção, 415%. A produção cresceu quatro vezes o que cresceu a área plantada. Isto é produtividade por hectare, é tecnologia na veia. A tecnologia tropical, desenvolvida no Brasil nesse período, se caracteriza pela sustentabilidade. Cultivamos praticamente 74 milhões de ha com grãos por ano. Na verdade, é muito menos, pouco mais de 55 milhões de ha, considerando que fazemos num mesmo ano, numa mesma área, duas a três safras. Se tivéssemos hoje a produtividade que tínhamos em 1990, seriam necessários mais 123 milhões de ha para realizar a mesma produção. Quer dizer que nós poupamos 123 milhões de ha de qualquer tipo de desmatamento.
A sustentabilidade também tem presença muito firme no crescimento da produção brasileira. É uma coisa notável e que caracteriza essa tecnologia tropical sustentável, gerada no Brasil pela pesquisa pública e privada. As empresas privadas, sobretudo as multinacionais, avançaram em pesquisa de variedades, especialmente a partir de 2005 com a introdução da transgenia no Brasil.
Valor: Como essa mudança se deu em outras áreas?
Rodrigues: Com a economia estabilizada, a pecuária foi obrigada a evoluir. Surgiram mecanismos como a integração lavoura-pecuária, que ajudou a reduzir a demanda por áreas novas. Ou seja, não foi a pecuária em si que mudou, foi a agricultura, o produtor rural que, com tecnologia, com equipamento, com gestão, incorporou a pecuária na atividade de grãos, fazendo duas e até três safras por ano na mesma área.
Se você olhar para a energia, foi uma coisa impressionante o que o Brasil fez nessa área a partir do agro. Hoje, o país tem em sua matriz energética 45% renovável – no mundo é um terço disso. Nesses 45% da parcela brasileira que são renováveis, o agro é importantíssimo, seja no combustível, na produção de etanol de cana, etanol de milho, biodiesel de sebo bovino, de óleo de soja e outras oleaginosas, seja na cogeração de energia elétrica nas usinas de etanol, seja na lenha vegetal. Temos ainda o biometano, gerado nas granjas de suínos e frangos, com uso de dejetos animais na produção de energia e de fertilizantes. O caso dos biodefensivos é impressionante. O Brasil está crescendo mais de 15% ao ano em biodefensivos.
Valor: Como se deu a renovação do setor de máquinas agrícolas?
Rodrigues: Gostaria de falar sobre a Agrishow, nascida em 1994. Eu era Secretário de Agricultura de São Paulo na época, tínhamos recém-criado a ABAG [Associação Brasileira do Agronegócio]. Com base numa proposta feita por Brasílio Araújo Neto [então Presidente da Sociedade Rural do Paraná], sugeri ao Ney Bittencourt, que era Presidente da ABAG, uma parceria entre a associação e o governo de São Paulo, cedi a estação experimental de Ribeirão Preto e lá realizamos a primeira Agrishow.
A feira permitiu ao produtor ver máquinas trabalhando e compará-las. As máquinas agrícolas brasileiras, mesmo produzidas por multinacionais aqui no Brasil, que sempre chegavam dois, três, quatro anos depois de terem sido lançadas lá fora, passaram a ser expostas simultaneamente com seu país de origem. Todos se deram conta, e o governo também, de que precisava reformar o parque motomecanizado brasileiro. Surgiu o Moderfrota, que permitiu trocarmos máquinas velhas por novas. As velhas colheitadeiras perdiam até 6% dos grãos. Com novas, a perda ficou menor. Mudou o padrão tecnológico na mecanização, o que teve resultado no avanço da produção, trazendo novas formas de tratamento de solo, novas formas de plantio, como o plantio direto.
Valor: O que ocorreu com os produtores de menor porte e escala?
Rodrigues: Aqui surge o papel das Cooperativas. Tudo isso acontecia simultaneamente à globalização da economia, queda do muro de Berlim, fim da Cortina de Ferro, liberalização do mercado. A competição entre os países ficou muito mais rigorosa e a margem ficou muito pequena, de tal forma que a renda no campo se dava na escala – e o pequeno produtor, por definição, não tem escala. Ele estava condenado à morte e os países desenvolvidos resolveram essa questão com subsídios gigantescos. Nós não tínhamos subsídio. O que fizemos foi uma explosão do cooperativismo em várias áreas, inclusive na agrícola.
Isso se deu em parte por causa da Constituição de 1988. Eu era Presidente da OCB naquele momento e ajudei a colocar na Constituição dois ou três artigos que mudaram a relação do campo com o cooperativismo. Um deles dava às cooperativas de crédito isonomia em relação ao sistema financeiro. Isso mudou a relação a tal ponto que hoje as cooperativas de crédito respondem por um quarto do crédito rural brasileiro. Isso permitiu ao pequeno produtor fazer escala. As cooperativas incorporaram o pequeno produtor; 80% dos associados têm menos de 100 ha.
Hoje, inteligência artificial, digitalização do setor e transformação das máquinas agrícolas, com computador de bordo, drones que fazem pulverização direcionada, reduziram o custo de produção. E as cooperativas tiveram um papel muito grande na inserção do pequeno no mesmo padrão tecnológico que o grande já tinha.
Valor: Qual sua visão do futuro?
Rodrigues: Acho que o mundo moderno é assombrado por quatro novos cavaleiros do apocalipse: segurança alimentar, segurança energética, mudanças climáticas e desigualdade social. Quem é que vai “assassinar” [resolver] esses quatro fantasmas? É o agro tropical, porque é no cinturão tropical, América Latina inteira, toda a África subsaariana e parte da Ásia, que há terra para crescer horizontalmente, mas onde a tecnologia é muito baixa. Quem tem que liderar [essa mudança] é o Brasil, porque é o único o país que detém essa tecnologia da agricultura tropical sustentável, com agroenergia e replicável.

Valor

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