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Um Plano Safra para a indústria?

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A divulgação anual dos números do Plano Safra para agricultura é um momento relevante. O volume de crédito ofertado cresceu, porém, a safra cresceu muito mais. Parte dos recursos recebe um subsídio, recursos do orçamento da União, reduzindo os juros cobrados, direcionando para o pequeno produtor, médio, e suas cooperativas.
O crescimento do financiamento ao setor está fora do Plano Safra. São representados por novos instrumentos de crédito, a Cédula de Produto Rural (CPR), o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e os Fundos de Investimentos do Agronegócio (Fiagro), que contam com o benefício da ausência de impostos. A intermediação desses títulos por tradings, revendedoras de insumos e a agroindústria é muito relevante.
O principal debate nos últimos planos foi o volume de subsídios direcionados ao seguro climático. O risco climático cresce com forte efeito na produção. O produtor assumir esse risco sozinho tem reflexos, desestabiliza os volumes produzidos. Subsidiar seguro climático estabiliza preços dos alimentos, sendo importante também para os consumidores e como política social. Caminhamos devagar no desenvolvimento de um seguro climático consistente e realmente relevante. E os eventos climáticos de hoje exigem.
Não foi, porém, os financiamentos dos Planos Safra que tornaram o setor produtivo. Equivoca-se a indústria em procurar a saída pelo crédito, bom para alavancar a produção, mas que não resolve as questões de competitividade. Relaciono a seguir os principais fundamentos do verdadeiro sucesso do agro.
No momento que debatemos a reforma tributária destaco que a maior do agro já ocorreu com a Lei Kandir, a eliminação de impostos para os produtos primários e semielaborados na exportação. No momento que atingimos os mercados externos deixamos de ficar limitados ao crescimento do mercado doméstico. É possível crescer, ganhar escala, assimilar novas tecnologias, estabilizar preços no ampliado mercado internacional.
Os instrumentos de intervenção nos mercados agrícolas, estoques reguladores, a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) perderam relevância e mesmo praticidade, pois intervir em mercado quando se exporta representa intervir no mercado muito maior internacional. Reduziu-se o custo para o Tesouro que representavam essas intervenções, muito mais que o atual subsídio em parte do crédito rural.
Essencial foram medidas que relaciono como ampliação da liberdade econômica para produzir. Em março de 1990 liberalizaram os portos, criando a condição para construir terminais graneleiros e de modernos e rápidos terminais de contêineres, reduzindo significativamente esses custos e ampliando a competitividade nacional.
Ampliamos a abertura ao exterior com a redução das alíquotas de imposto de importação dos insumos e equipamentos. A alíquotas de imposto de importação dos insumos e equipamentos. A alíquota média foi reduzida de 35,5% para 11,6%, a máxima de 105% para 35%. Foi a última abertura econômica realizada, 34 anos. Terminamos com o regime autárquico no comércio exterior com o fim da Carteira de Comércio Exterior (CACEX) do Banco do Brasil, que atuava sempre no sentido ante agrícola.
Extinguiu-se o Instituto de Açúcar e do Álcool (IAA), que tinha o monopólio da exportação de açúcar, condicionada a ser açúcar produzido na região Nordeste. Rapidamente a região Sudeste, em particular as usinas de São Paulo, passaram a exportar diretamente açúcar ampliando e aumentando a competitividade. Acabaram-se as quotas de produção de cana de açúcar, por agricultor. O mundo novo da liberdade econômica colocou o Brasil rapidamente como maior produtor.
Extinguiu-se o Instituto Brasileiro do Café (IBC), liberando para a qualidade e produtividade o café que vinha sendo penalizado com intervenções, que malconduzidas, produziam preços baixos, estoques altos e sem a qualidade que o consumidor desejava. Em uma gôndola de supermercado você encontrava poucas marcas de café torrado e moído. Hoje a variedade é outra: cafés da variedade arábica de diversas regiões do país, mesclas, conilon, café em grão, moído ou em cápsulas para as máquinas de expresso. O mesmo acontece nos contêineres que exportamos, qualidade, variedade, quantidade, atendendo os consumidores como desejam.
O desafio de uma política pública consistente de sanidade animal foi enfrentado com o apoio do setor privado. A organização do setor sinalizou aos dirigentes públicos a importância da questão, que passou a receber maiores recursos e atenção. As exportações anuais de carne bovina no início da década de 90 representam o que são hoje dias de exportação. Multiplicamos a exportação, renda, empregos, viabilizando investimentos, modernização e aumento de competitividade. Eventos sanitários acontecem, hoje são enfrentados com a credibilidade construída. Vide o evento de Newcastle em aves hoje.
O aumento da produtividade agropecuária é uma realidade. Resultado de investimentos em pesquisa pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e certamente em inovações e pesquisas pelo setor privado. Os avanços tecnológicos não ocorrem mais em anos e sim em dias. Sinais claros das possibilidades da biotecnologia e das ciências da informação.
O desafio, complexo, de certa maneira imprevisível, são os eventos climáticos. Não se discute mais que virão, mas quando e quanto. A previsão é de um futuro caracterizado por temperaturas crescentes, maior aridez e eventos climáticos mais extremos, como secas e inundações. As projeções indicam que essas mudanças se intensificarão ao longo do tempo. A produção agrícola foi resiliente, fornecendo ao mundo, onde o Brasil é relevante, o alimento para a população. Rendimentos são altamente dependentes do clima. Temperaturas excessivamente altas podem levar a dias de crescimento prejudiciais, e a precipitação reduzida pode resultar em até menos água subterrânea disponível para irrigação. Está aqui hoje o grande desafio do setor.
Não me arrisco a opinar sobre a indústria. Não acredito, porém, que esteja em um plano safra de crédito.

Pedro de Camargo Neto

Pedro de Camargo Neto foi presidente da Sociedade Rural Brasileira e secretário do Ministério da Agricultura e Pecuária.

Valor

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